Sinjufego

Comentário

 

A leitura dos três volumes e dos três apensos do inquérito sobre o mensalão do DEM é um mergulho de perder o fôlego em um denso mar de lama.

Está exposto ali em detalhes, e amparado em farta quantidade de provas, o funcionamento da organização criminosa que ascendeu ao poder no Distrito Federal em janeiro de 2007. Espanta pela simplicidade.

Se lhe faltar tempo, leia ao menos o terceiro apenso.

Primeira descoberta: o governo de José Roberto Arruda (DEM) é uma extensão do governo anterior de Joaquim Roriz (PMDB) que durou oito anos.

Segunda descoberta: os meios exaustivamente empregados para desviar recursos públicos, fraudar licitações e obter dinheiro sujo em nada distinguem as duas administrações. São primitivos, toscos, amadores, mas eficientes.

O que fez a diferença?

A diferença atende pelo nome de Durval Rodrigues Barbosa, um experiente ex-delegado de polícia que responde a 33 processos por corrupção.

Como presidente da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), ele se sentiu protegido sob as asas de Roriz.

Como secretário de Relações Institucionais do governo Arruda, temeu ir para a cadeia. Então decidiu contar o que fez, gravou e sabe à Polícia Federal.

Ainda não contou tudo. Por ora poupou Roriz e uma fatia suspeita do Ministério Público do Distrito Federal e do Tribunal de Justiça.

Em conversa informal com delegados e promotores, admitiu que não pode brigar com muita gente ao mesmo tempo. Seria suicídio. Detonou Arruda porque se sentia detonado por ele.

Arruda sabe desde 2008 que havia sido filmado por Durval recebendo grana em mãos. Provocado a respeito, Durval não negou. "Tenho que me defender", observou. Arruda garantiu que ajudaria Durval a se livrar dos processos desde que o filme jamais se tornasse público.

Deu no que deu.

Em 2003, assim que Roriz inaugurou seu novo mandato - o quarto desde 1988 -, Durval foi procurado por Arruda atrás de apoio para se eleger governador em 2006.

"Preciso de uma ordem de cima", esquivou-se Durval. Na frente dele, Arruda telefonou para Roriz e anunciou: "Governador, estou aqui na Codeplan. Eu disse a Durval que o senhor me autorizou a se entender com ele".

Fez-se o entendimento. Arruda recebeu a lista dos contratos firmados pela Codeplan com órgãos públicos e empresas privadas acompanhados do valor mensal de cada um, data de pagamento e data de renovação.

Passou a se acertar direto com quem prestava serviços à Codeplan, estipulando o valor das comissões a serem pagas como contribuição para sua campanha, e prometendo em troca futuros e gordos contratos.

Está no depoimento de Durval ao Ministério Público local a revelação de que Arruda atuava com igual desenvoltura na Companhia de Energia de Brasília, no Instituto Candango de Solidariedade, no Metrô de Brasília e no Banco Regional de Brasília.

Roriz sempre esteve a par das atividades dele.

Entre 2005 e 2006, somente a Codeplan ajudou Arruda com algo próximo de R$ 58 milhões, segundo contas de Durval. A campanha eleitoral dele custou à companhia exatos R$ 7.985.660,00.

Durval levou um susto ao saber por meio de uma procuradora do Ministério Público que Arruda planejava se livrar dele tão logo fosse eleito. Só queria por perto quem fosse de sua estrita confiança.

No dia do segundo turno da eleição de 2006, a tal procuradora havia patrocinado uma reunião no seu apartamento entre Arruda, Paulo Octávio, seu vice, e outros membros do Ministério Público. Desejava aproximar os dois lados.

Durval levou outro susto ainda em 2007 quando se tornou alvo de reportagens do Correio Braziliense encomendadas por Arruda a Álvaro Teixeira da Costa, presidente do jornal, durante um jantar na casa de José Celso Gontijo, engenheiro e construtor.

Gontijo ganhou muito dinheiro durante o governo Roriz construindo a Ponte JK, uma obra faraônica. Ganhou no governo Arruda a licitação para construir a nova Estação Rodoviária de Brasília. Gontijo é a estrela de um dos vídeos do mensalão do DEM sacando de uma pasta pacotes de dinheiro.

O Correio é um jornal alinhado com Arruda - como, de resto, são todos os jornais do Distrito Federal, dependentes da milionária verba de publicidade do governo. Antes fora alinhado com o governo Roriz.

Durval entrou em pânico ao ser condenado pela primeira vez no Tribunal de Justiça em fevereiro passado. Mais recentemente, por maioria de votos, o tribunal recebeu outro processo contra ele, talvez o mais complicado e destinado a infernizar de vez a vida de Durval.

Arruda havia prometido que os processos contra Durval ele não iriam adiante. Pois é...

No dia 21 de outubro último, Arruda convocou Durval para um encontro em sua casa. Parte da conversa teve a ver com o processo recebido pelo tribunal.

- O combinado é que o advogado nós vamos pagar, todos. Na hora que eu precisei você me ajudou - lembrou Arruda. E adiantou para tranquilizar Durval:

- Eu vou fazer com calma uma visita ao presidente do Tribunal. Vou ouvir o que ele nos aconselha.

Por fim, pediu:

- Vá, me oriente, me diga: Arruda, eu preciso que você faça isso.

(Durval tem advogados pagos por Arruda e também por gente ligada a Roriz.)

O diálogo foi registrado por um equipamento de escuta costurado na roupa de Durval. Àquela altura, ele espionava Arruda para a Polícia Federal com a esperança de se livrar dos processos que implodiram até seu casamento. A mulher abandonou-o levando o casal de filhos depois de ter sido presenteada por um anônimo com uma fita que mostrava Durval e uma namoradinha dele.

Há 10 dias, finalmente, a Operação Caixa de Pandora da Polícia Federal implodiu o governo Arruda.

Bateram em retirada 15 secretários e seis partidos que o apoiavam. O PMDB será o próximo. O DEM deverá expulsar Arruda ainda esta semana. Sem partido, Arruda não poderá tentar se reeleger.

No momento, há uma Brasília indignada e outra à beira de um ataque de nervos.

A indignada quer ver Arruda no chão. Como ele seguirá governando enlameado da cabeça aos pés? Como presidirá as celebrações em abril pelos 50 anos de fundação da cidade? Que pessoa de bem desejará ser vista ao lado dele daqui para frente?

A outra Brasília, essa menor, treme por saber que Durval entregou 30 vídeos à polícia e guarda mais de 100 capazes de comprometer políticos, empresários, jornalistas e juízes.

Quanto a Roriz, se tiver juízo desistirá de ser candidato ao quinto mandato. Fonte: Blog do Noblat