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O Popular - Economia - Dia 03/01/2010

 

 

De 2003 a 2008, 19,3 milhões de brasileiros saíram da pobreza. No início de 2015, pobres serão 8%

Agência Estado

Rio - Nos próximos cinco anos, o Brasil deve reduzir o número de miseráveis pela metade e aumentar em 50% as classes A e B. A projeção é de Marcelo Neri, diretor do Centro de Políticas Sociais, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Conforme sua estimativa, no início de 2015, os pobres serão apenas 8% dos brasileiros, caindo para quase um quarto da proporção que vigorava em 1993, de 35%. Em pouco mais de duas décadas (1993-2005), um contingente de 51,6 milhões de brasileiros muito pobres, numa população de 147 milhões, será reduzido para 16,1 milhões, em 222 milhões - ou seja, uma queda de quase 70% em termos absolutos, mesmo levando-se em conta o aumento populacional.

A linha de pobreza utilizada por Neri corresponde a uma renda per capita familiar de R$ 137 na média do Brasil (a linha varia de acordo com a região). Nesse conceito, que representa uma linha de pobreza relativamente baixa (alguns consideram que seja uma linha de extrema pobreza), os pobres correspondem exatamente à classe E.

Cenário

Neri diz que aquele é um cenário "auspicioso", ou de "otimismo condicionado à manutenção das políticas razoáveis aplicadas entre 2003 e 2008". Mas não julga a projeção nem um pouco improvável. Na verdade, baseia-se na hipótese de que a fase que ele chama de "era de ouro" dos avanços sociais no Brasil, de 2003 a 2008 (ou de 2001 a 2008, quando se toma a desigualdade) prolongue-se por mais cinco anos, depois de um momento de estagnação em 2009, em função da crise global.

Entre 2003 e 2008, 32 milhões de brasileiros ascenderam às classes A, B e C, e 19,3 milhões saíram da pobreza, provocando uma redução de 43% na proporção de pobres. O consumo popular cresceu e fortaleceu o mercado interno.

De maneira análoga, Neri projeta um crescimento médio anual de 5,26% da renda total familiar per capita (medida pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, Pnad) no quinquênio 2010-2014, repetindo-se o desempenho do indicador entre 2003 e 2008.

Simultaneamente, ele supõe que a queda da desigualdade verificada de 2001 a 2008 prossiga até 2015, levando os índices brasileiros para o nível atual do Espírito Santo. Com base na Pnad de 2008, o índice de Gini da renda familiar per capita do Brasil em 2008 era de 0,5486, comparado a 0,518 do Espírito Santo. Em 2003, o Gini brasileiro era de 0,583. Segundo Neri, a projeção de queda do índice nacional até 2015 para o nível atual do Espírito Santo "é até conservadora, porque seria uma redução um pouco menor do que a ocorrida de 2003 a 2008". O Gini é um indicador de desigualdade que varia de zero a 1, e indica piores distribuições à medida que vai aumentando.

Avanço

Em relação à queda da desigualdade, o economista frisa a importância do avanço da educação nas melhoras da distribuição de renda entre 2001 e 2008, e acha que a tendência pode se estender para os próximos anos.

Em 1990, segundo ele, 15% das crianças brasileiras na idade do ensino fundamental estavam fora da escola, número que caiu para menos de 4% em 2001 e para menos de 2,5% recentemente. Para Neri, o aumento da escolarização teve impacto positivo no crescimento da renda do trabalho dos pobres, explicando em parte por que, entre 2001 e 2008, a renda média dos 10% mais pobres aumentou 72,45% em termos reais, enquanto que a dos 10% mais ricos teve ganho real de apenas 11,37%.

Marcelo Neri acha que a escolaridade média da força de trabalho continuará aumentando. "Isso permite antecipar melhoras futuras da desigualdade". Quanto à qualidade da educação, ele diz que segue um grande problema, mas que está sendo implantado um sistema com avaliações e metas por escola, o que sinaliza que pode haver avanços importantes.

Especialista prevê mudança no perfil social

Agência Estado

Rio - As projeções da Fundação Getúlio Vargas (FGV) apontam uma profunda mudança no perfil social do Brasil, que caminharia para se tornar um País de classe média. Se à classe E for acrescentada a classe D, que também está próxima à pobreza, chega-se a uma proporção da população de 40% em 2008, que deve cair para 28% no início de 2015.

Já a classe C, correspondente à classe média popular, cresce de 49% para 56,5%, tornando-a a maioria absoluta do população. As classes A e B, finalmente, sobem de 10,5% para 15,7%. Assim, a classe média como um todo, que hoje já corresponde a pouco mais de 60%, incluindo-se a classe C, sobe para 72%.

O otimismo do pesquisador Marcelo Neri, da FGV, apoia-se em algumas evidências de que a melhora social brasileira no período 2003-2008 tem fundamentos sólidos. Ele nota que, nesse período, enquanto a renda média de todas as fontes cresceu em média 5,26%, a renda do trabalho teve uma expansão anual de 5,13%.

Renda

Em outras palavras, a ideia de que o aumento real das transferências sociais e previdenciárias é um fator muito mais importante do que os demais na melhora da renda dos pobres não se sustenta, já que, se fosse assim, a renda do trabalho deveria ser inferior ao crescimento da renda total.

O pesquisador nota ainda que, no Nordeste, região cujo avanço social é visto como fruto de políticas assistencialistas, a renda do trabalho subiu uma média anual de 7,3%.

"Talvez haja mais sustentabilidade na expansão nordestina do que nas ideias daqueles que imaginam que há na região uma nova economia sem produção", ironiza Neri.

População economicamente ativa em alta

Agência Estado

São Paulo - Um dos fatores estruturais que explicam o otimismo dos investidores internacionais com o Brasil atende por uma expressão ainda pouco conhecida que, à primeira vista, soa quase como charada de jogo de tabuleiro: bônus demográfico.

Em síntese, trata-se de um período no qual a população economicamente ativa supera largamente a de dependentes, composta por idosos e crianças. Segundo especialistas, é uma condição propícia ao desenvolvimento de uma economia.

"O Brasil do início do século 21 passa por uma combinação entre uma estrutura demográfica e uma estrutura social que realçam uma proporção da população em idade em que o retorno social e econômico das pessoas é maior", explica o professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), José Eustáquio Diniz Alves.

Nesse contexto, diz o professor, "a população não é um entrave, mas sim um fator impulsionador". O País chegou ao bônus demográfico porque a taxa de natalidade caiu a partir dos anos 70, em uma velocidade maior do que diminuiu a taxa de mortalidade. Com o passar dos anos, a soma de idosos e crianças se tornou bem menor do que o total de pessoas na ativa.

Desigualdade na educação atrapalha

Agência Estado

Rio - A qualidade da educação pode frear os avanços sociais obtidos pelo Brasil na última década, para o economista José Márcio Camargo, da PUC-Rio e da Opus Gestão de Recursos. "Estou muito menos otimista em relação a esse processo do que a maior parte dos economistas que trabalham com pobreza e desigualdade no Brasil", diz.

Ele recorda que a forte desigualdade no Brasil está calcada nas diferenças de educação entre ricos e pobres, não somente em anos de estudo, mas também em termos de qualidade. Camargo nota que os cálculos que apontam a importância da desigualdade educacional na má distribuição de renda no Brasil não levam em consideração a qualidade, o que indica que o impacto das diferenças educacionais provavelmente é muito superior ao que já aparece nas pesquisas.

Ele acha que a diminuição das diferenças da qualidade da educação nos últimos anos foi muito pequena, e que o Brasil permanece como um País em que, em média, as escolas públicas são muito piores que as privadas. Além disso, ele nota que as crianças pobres ingressam em idade bem mais avançada nas escolas públicas de pior qualidade, quando comparadas com as crianças de nível de renda mais alto que vão para a educação privada.

"Quando os pobres entram na escola, a probabilidade de recuperar o tempo perdido é muito pequena", analisa. José Márcio também se preocupa com a importância dos programas de transferência na redução da pobreza. "São iniciativas que taxam os mais produtivos para transferir para os menos produtivos; a desigualdade diminui, mas cai também o incentivo dos mais produtivos para trabalhar e gerar riqueza." Para o economista, "são efeitos errados do incentivo, do ponto de vista dos ganhos de produtividade".