O Popular - Cidades - Dia 11/01/2010
Policiais militares em atuação: número alto de licenças
Deire Assis
Abuso de álcool e drogas, depressão e ansiedade estão entre causas de afastamento de civis e militares. Os transtornos mentais e do comportamento são a principal causa de afastamento de policiais civis e militares do trabalho, comprovam dados da Segurança Pública em Goiás. Os números mostram um crescente número de licenças para tratamento médico e mesmo de aposentadorias por problemas psiquiátricos apresentados por esses trabalhadores. Os policiais civis são os servidores do Estado mais suscetíveis aos transtornos mentais. Na Polícia Militar (PM), 70% dos PMs aposentados em 2009 eram pacientes da psiquiatria.
A quantidade de reformas concedidas pela Polícia Militar no ano passado a militares doentes dá uma noção da gravidade do problema: 28 dos 40 policiais aposentados em 2009 tiveram comprovada a ocorrência de algumas das patologias listadas no capítulo 5 da Classificação Internacional de Doenças (CID-F). O capítulo trata dos transtornos mentais e do comportamento, sejam eles orgânicos, os relacionados ao humor e ao estresse ou mesmo os provocados pelo abuso de substâncias de psicoativas, como álcool e drogas, por exemplo.
De acordo com dados da Junta Médica da Polícia Militar, dos 779 PMs atualmente acompanhados pelo órgão, 53,9% (420) apresentam transtornos mentais.
Segundo a capitã Denilda Carvalho da Silva Colotetyo, secretária da junta, 161 policiais foram considerados aptos para o trabalho, ainda que em tratamento, e passaram a desempenhar funções administrativas. Porém, 259 PMs estão incapacitados de trabalhar, gerando um prejuízo incalculável para a Segurança Pública.
Quando o afastamento do policial se dá por motivos psiquiátricos (independentemente da quantidade de dias), ele fica impedido de portar armamento e de dirigir os veículos da PM, o que significa menos agentes de segurança em operação nas ruas. Segundo explica a capitã da PM, para voltar a trabalhar, esse policial precisa passar por uma testagem que lhe devolverá, ou não, o direito de usar a arma. Se receber alta médica mas o teste considerar o militar inapto, ele é automaticamente lotado nas funções administrativas da Polícia Militar. "Em média, 30% são reprovados nos testes", comenta capitã Denilda.
Forças especiais
Chefe do Departamento de Psicologia da Polícia Militar de Goiás, a major Miriam Terezinha Nogueira Belém ressalta que policiais das forças especiais da PM, como a Rotam e o Choque, estão entre os mais suscetíveis a problemas de ordem mental e comportamental graves, pela própria natureza das funções que exercem. De acordo com a psicóloga, em 2009 (de janeiro a novembro), o serviço atendeu cerca de 2 mil policiais militares no serviço de psicologia. Desse total, 90%, em média, foram encaminhados por seus superiores ou por profissionais de saúde e 10% procuraram o serviço de forma espontânea.
Dentre as principais causas de adoecimento dos policiais, explica, estão a depressão, a reação aguda ao estresse laboral (a chamada síndrome de burnout) e os transtornos decorrentes do uso abusivo de álcool e drogas. "A maioria dos policiais busca ajuda tardiamente, quando já há comprometimento das funções na polícia", afirma. Major Miriam lembra que a partir do ano passado a Polícia Militar passou a desenvolver um programa de diagnóstico e prevenção de doenças que avaliou, em 2009, mais de 6 mil policiais.
"Os transtornos mentais e do comportamento são os que têm aparecido com mais frequência nestas avaliações", ressalta a policial militar. Segundo frisa, o risco iminente de morte aliado às pressões e cobranças dos superiores e da sociedade e à carga de trabalho excessiva são alguns dos fatores que tornam estes trabalhadores mais suscetíveis aos problemas de ordem psiquiátrica. Para a psicóloga, um dos desafios das corporações é garantir a validade dos exames psicológicos e psiquiátricos realizados em candidatos aprovados em concursos para a polícia. Reprovados nesses testes, muitos desses candidatos garantem sua vaga por meio de decisões judiciais.
O POPULAR buscou apurar a quantidade de licenças concedidas pelo Corpo de Bombeiros aos servidores da corporação, mas não obteve retorno.
Um quarto de licenças é por problema mental
Deire Assis
Dados da Gerência de Saúde e Prevenção de Goiás apontam os policiais civis como os servidores que mais se licenciam para tratamento de transtornos mentais. Na Polícia Civil, mais de um quarto dos afastamentos do trabalho se deram por essa razão. A média para as demais categorias profissionais do Estado, nos 36 órgãos da administração estadual, é de 17,2% de licenças para tratamento de transtornos mentais. Na Educação, por exemplo, as licenças chegam a chega 17,5% do total de afastamentos.
Raquel Ghetti Macedo, psicóloga do Serviço de Psicologia da Assistência Social da Polícia Civil, mostra que o número de servidores acompanhados tem crescido. Em 2007, foram 70 atendimentos. No ano passado, 340. Mesmo representando um número elevado, a psicóloga lembra que uma parcela grande de policiais não busca ajuda.
Assim como no caso dos PMs, entre os policiais civis o abuso de álcool e o consumo de outras substâncias psicoativas são determinantes, associados a depressões e a sintomas de estresse e ansiedade.
A escrivã de polícia Magda Marineth Silva Santos, hoje coordenadora do Setor de Assistência Social da Polícia Civil, trabalhou anos em delegacias com elevada carga de trabalho. "Tudo me atingia. O impacto do trabalho em minha vida era tamanho que até hoje não consigo assistir a filmes que contenham cenas de estupro", comenta. Para Magda, o que faz do policial uma pessoa tão suscetível aos transtornos mentais é o fato de ele conviver continuamente com o problema do outro.
Para reduzir o impacto dos problemas na vida dos profissionais, um projeto começa a ser colocado em prática em fevereiro. Com recursos do Ministério da Justiça será implantado o Projeto de Atenção à Saúde e Qualidade de Vida dos Profissionais da Secretaria de Segurança Pública de Goiás. Para Raquel, é preciso sensibilizar os chefes para que se atentem.
Gerente de Saúde e Prevenção do Estado, José Reinaldo Daher informa que a partir de fevereiro terá início também um Sistema de Saúde e Prevenção do Servidor Público. "Será o primeiro desse tipo no País. Só em Goiânia serão avaliados 40 mil servidores".
Pesquisa aponta alto estresse entre agentes
Deire Assis
Pesquisa realizada entre julho e setembro deste ano com servidores da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam) de Goiânia mostrou que quase a metade dos funcionários entrevistados sofre com sintomas físicos e psicológicos que caracterizam o estresse. Fatores emocionais estão entre as principais causas de adoecimento dos policiais. Alguns tiveram de se afastar do trabalho e outros foram encaminhados para tratamento psiquiátrico.
O trabalho, desenvolvido por Maria Michele Viana como requisito para obtenção do grau de psicóloga pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), concluiu que 45% dos servidores que contribuíram com o levantamento apresentavam sintomas de estresse no momento da entrevista. A sobrecarga de trabalho foi uma das causas mais citadas para justificar como se sentiam.
Com a entrada em vigor da Lei Maria da Penha, os procedimentos da especializada se alteraram, o que tornou o trabalho mais volumoso. Até setembro de 2006, a maioria dos casos se resolvia com o registro de um simples Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO), procedimento que não levava mais que 45 minutos. Com a nova lei, a violência doméstica passou a ser investigada por meio da instauração de inquérito policial. São milhares deles. Até novembro de 2009, foram mais de 3,2 mil inquéritos na Deam.
Com tanto trabalho e com a matemática apresentada pela titular da Deam, Miriam Aparecida Borges de Oliveira, não fica muito difícil concluir porque os policiais da delegacia estão adoecendo. De acordo com a delegada, em 2006 a Deam tinha seis delegados. Hoje, são três. Dos 18 escrivães, restaram 8, e dos 22 agentes, apenas 10. "Os funcionários choram, tomam remédio para depressão e muitos precisam ser levados para clínicas. Mudou a lei mas não a estrutura da delegacia". A delegada considera o policial da Deam diferenciado. "Diante dos problemas de violência que aparecem na delegacia, até trocar fraldas das crianças às vezes é necessário", cita.
A psicóloga Maria Michele Viana conta que durante o estudo desenvolvido na Deam, muitos servidores procuraram ajuda para os problemas de estresse. "Eles precisavam ser ouvidos."
Menos produtividade e mais riscos de doenças
Deire Assis
Para medir o grau de estresse apresentado pelos servidores da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam), Maria Michele Viana utilizou o Inventário de Sintomas de Estresse (ISSL). O teste apura se há presença de estresse, sua fase e se há prevalência de sintomas físicos e psicológicos. O levantamento na Deam mostrou que a maioria dos servidores encontrava-se na fase intermediária do inventário (chamada de resistência), em que já há comprometimento da produtividade e maior suscetibilidade das pessoas a doenças.
"Quanto mais elevado o grau de estresse, medidas precisarão ser tomadas, como o afastamento do trabalho e o tratamento psicológico e psiquiátrico com uso de medicamentos", alerta Milton Marinho, psicólogo organizacional, gerente de Recursos Humanos e professor universitário. "O importante é desenvolver uma estratégia de enfrentamento do problema e buscar minimizar o dano."
De acordo com o psicólogo, o estresse ocupacional está muito ligado a ocupações relacionais, em que o trabalhador tem contato direto com o público. "Nunca se sabe a reação do outro." Por essa razão, cita, pesquisas mostram que profissionais como bancários, professores, policiais e enfermeiros estão entre os mais suscetíveis a desenvolver estresse ocupacional.
"Cheguei ao esgotamento total, estourei", diz agente
Deire Assis
Histórias de ansiedade, sofrimento, depressão, medo, estresse e cansaço se repetem nos corredores da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam). "Cheguei ao esgotamento total", revela Luiz Carlos de Melo, de 46 anos, o Tica. Com 14 anos de carreira, o agente de polícia se viu sem saída. "Quando percebi, estourei. Procurei o médico e hoje faço uso de antidepressivos", conta ele. "Somos profissionais, mas não é fácil receber mulheres espancadas, crianças estupradas. Também tenho família, esposa e filhos", relata o policial.
Para o também agente de polícia da Deam Hosannah Júnior Rocha, de 31 anos, o fato de os policiais da delegacia não lidarem com assaltantes, por exemplo, não os exime de serem vítimas de um trabalho penoso. "As histórias das vítimas mexem muito com todo mundo." Com o início dos sintomas, Hosannah parou de estudar, viu o relacionamento em casa piorar, passou a não dormir mais e isolou-se. "Minha vida social foi a zero."