Turbinada, classe C ultrapassa classes a e b em rendimentos. Brasileiro ganha, estuda e trabalha mais
Agência O Globo
Brasília e Recife - Pela primeira vez na história, a classe C, cujos lares recebem entre R$ 1.115 e R$ 4.807 por mês, passou a representar a maior fatia da renda nacional, segundo dados recém-agregados pela Fundação Getulio Vargas (FGV). Correspondem agora a 46% do total de rendimentos das pessoas físicas, contra 44% do topo da pirâmide (AB). Este exército de 91 milhões de brasileiros está tornando anacrônico o conceito atual de classe média – baseado em padrões de consumo e culturais – e métodos básicos de produção e publicidade estão sendo revistos.
Entre 2003 – quando a classe C respondia por 37% da renda nacional (salários, benefícios sociais e previdenciários, juros e aluguel) – e 2008, 26,9 milhões chegaram a este grupo. Essa migração em massa alterou o rumo da divisão historicamente desigual do bolo e proporcionou o surgimento de um grupo com características socioculturais próprias.
Independência
Se durante a década de 1990 foi marcada pela estabilidade e a educação, a alta da renda nos anos 2000 permitiu ao consumidor não só comprar, mas escolher o produto com que mais se identifica.
O vice-presidente da agência DM9DDB, Alcir Gomes Leite, garante que isso fez os profissionais reverem seus conceitos. O novo público não se preocupa só com preços:
“Vai atrás das marcas, tem uma identidade própria, que é diferente da classe média tradicional. As marcas já entenderam isso. Não querem mais saber o que fazer para tornar o cliente fiel. Vão atrás do que têm de fazer para se tornarem fiéis a eles.”
Também não adianta anunciar um produto para a classe AB achando que o indivíduo da C vai querer comprar para “ascender”: “Esse conceito de classe média foi para o saco.”
As grandes empresas têm concentrado ao menos 60% das inovações no novo público, segundo Alcir.
Já o presidente da Associação da Indústria Têxtil (Abit), Aguinaldo Diniz Filho, disse que o setor investiu US$ 855 milhões em 2009 em designers, marketing e ampliação da produção com foco na nova classe média.
O consumo per capita de tecido no País é considerado baixo: 8,2 quilos: “Com mais gente subindo da classe D para C e de E para D, podemos acrescentar mais cinco quilos.”
Mas a mudança não está só nas novas necessidades de quem compra. A própria estrutura da economia está se alterando. O potencial de geração de renda do brasileiro está crescendo mais depressa do que a sua capacidade de consumo.
“O brasileiro pode ser na foto ainda mais cigarra do que formiga, mas estamos sofrendo gradual metamorfose em direção às formigas”, diz o chefe do Centro de Políticas Sociais da FGV, Marcelo Néri, em referência à fábula de La Fontaine.
Néri garante que ascensão de pessoas das classes D e E à C se deu não apenas pelos programas de ajuda social do governo. Mas porque o brasileiro trabalhou mais, ganhou melhor, se educou, comprou computadores e celulares e poupou mais.
Segundo a pesquisa, o índice do consumidor aumentou 14,98% entre 2003 e 2008, contra 28,62% do índice do produtor.
O primeiro mede o acesso das famílias a bens de consumo (TV, geladeira, DVD), serviços públicos (lixo, esgoto), condições de moradia (financiamento, número de cômodos e banheiros) e tipo de família.
Já o segundo estima o potencial de geração de renda pela sua inserção produtiva e nível educacional, bem como investimentos em capital físico, capital social e capital humano. Tudo isso são ativos que deram ao trabalhador produtividade.
Classe C tem cara própria
Agência O Globo
Rio - A nova classe média tem carteira assinada, casa própria ou financiada, estuda em escolas públicas ou particulares, tem previdência social ou privada, computador e celular. Idosos, mulheres, trabalhadores com carteira e nordestinos são exemplos de brasileiros que puxam a transformação.
Maria Clara Viotti, 27 anos, está no grupo das mulheres que completaram mais anos de estudo e conseguiram garantir um emprego com salário mais alto e benefícios sociais nos últimos anos.
A sua capacidade de gerar renda tornou-se maior e ele está mais “formiga”. Em 2008, passou em um concurso público. Com o novo emprego, investiu em celular com internet e computador:
“Já não dá mais trabalhar sem o celular e o computador”, diz.
A renda no Nordeste, segundo Néri, teve crescimento chinês: sua economia expandiu-se, entre 2003 e 2008, a um ritmo de 7,7% ao ano.
Mulheres e idosos estão mais ativos
Agência O Globo
Rio - Já os idosos têm mais dinheiro, viajam, têm acesso ao crédito consignado. Com o Viagra, têm mais disposição e se casam mais. Os registros de casamentos de pessoas com mais de 60 anos cresceram 100% sobre 2004. Se casam, montam casa.
As mulheres foram à luta, estudaram e conquistaram bons empregos. Os salários delas cresceram bem mais do que os dos homens entre 2003 e 2008 – 37% contra 24,6%, embora eles ainda ganhem mais do que elas na média.
As redes sociais também têm sido determinantes como fator de identidade social desse novo consumidor. “Ele quer ser protagonista. Daí a busca pelas redes sociais e o sucesso dos reality shows. A elite não serve mais como modelo”, diz Alcir, da DM9DDB.
Mãe de duas filhas e com o marido desempregado, a pernambucana Walkíria Oliveira da Silva Godoi arranjou em 2002 um biscate que lhe rendeu R$ 50. Comprou R$ 20 em comida para a família e investiu os R$ 30 que sobraram em bijuterias que lhe renderam R$ 70. Com este capital iniciou um pequeno comércio: “Quando estou na cidade, posso até sentir fome, mas entre gastar R$ 5 com comida na rua e comprar coisas para a lojinha, fico com a segunda opção. Por exemplo, uma cartela com 12 brincos custa R$ 2,50. Compro duas e faço R$ 12”, ensina.