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O Popular - Política - Dia 28/02/2010

Com histórico de votações a toque de caixa, assembleia investigará balanços aprovados pela própria casa

Erica Lettry

 

“Normalmente acompanhamos o relatório do TCE porque a função de detalhamento não é nossa. Mas o deputado tem de ter iniciativa, procurar se informar.” Romilton Moraes (PMDB)Depois de praticamente passarem incólumes na Assembleia Legislativa nos últimos anos, os balanços das contas do Estado tornam-se agora alvo de interesse dos parlamentares. A razão é a recente instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Endividamento, que pretende investigar os números dos últimos 19 anos da administração pública.  

A CPI teve 15 assinaturas e foi aprovada sem votação no plenário. Para parte dos deputados, uma nova análise dos dados coloca em dúvida o Legislativo, que tem entre suas principais atribuições a fiscalização das contas públicas. 

Autores da proposta da CPI do Endividamento, os tucanos alegam que existem dúvidas sobre o déficit mensal que o governador Alcides Rodrigues (PP) alega ter herdado de Marconi Perillo (PSDB), hoje senador. Para tanto, propõem uma nova avaliação.  

Para o petista Luis Cesar Bueno, que na última semana discursou fortemente na Assembleia contra o que seria a CPI do Déficit, a reavaliação dos números poderia ser interpretada como uma atestado de incompetência por parte do Legislativo, já que eles foram aprovados em plenário após a auditoria do Tribunal de Contas do Estado (TCE). 

De posse dos balanços do Estado protocolados na Assembleia e no TCE, Luis Cesar garante que os números que o PSDB quer reavaliar já estão explícitos e puderam ser conferidos pelos deputados na época da tramitação. De acordo com ele, após a análise do tribunal os números ficam quase seis meses na Casa.  

“Após o fim do ano o Executivo tem 45 dias para encaminhar as contas ao TCE, que por sua vez tem até 30 de junho para encaminhar o parecer do tribunal pleno para a Assembleia. Depois disso ela tem até 30 de novembro para votar pela aprovação ou rejeição das contas, passando antes pela Comissão de Tributação, Finanças e Orçamento”, explica o deputado. 

O petista acredita que o tempo é mais do que suficiente para que os deputados tomem conhecimento dos dados e possam analisá-los. Mas também admite que há dificuldade no acesso aos relatórios. Dizendo ser o único deputado na Assembleia que tem em mãos esses balanços, o petista explica que geralmente usa a manobra de pegá-los com a desculpa de usá-los no discurso e, nesse tempo, pede a assessores que façam uma cópia.  

De outra forma, garante que não conseguiria ter os balanços em seu acervo. A reportagem tentou ter acesso na semana às contas do Estado por meio da diretoria legislativa, mas foi informada que elas haviam saído do Legislativo para serem microfilmadas. 

A falta de interesse dos parlamentares com os balanços também é relatada por Daniel Goulart (PSDB), ao assumir que, mesmo na gestão tucana, eles não eram analisados como deveriam. Ex-presidente da Comissão de Finanças – entre 2006 e 2007 –, Goulart observa que muitos relatores preferem fazer o jogo do governo e deixam de apreciar as contas. “A maioria das vezes aprova sem nenhuma das ressalvas do TCE. Tem relatório que chega em um dia e é aprovado no outro”, cita. 

Goulart afirma ainda que falta o conhecimento técnico necessário para as informações dos relatórios, fato agravado pela falta de assessoramento específico na Assembleia. “As principais ressalvas do TCE em geral são que os órgãos precisam ter contadores. Ninguém tem”, revela. O tucano também aponta que, pelo grande volume de páginas, apenas duas cópias do balanço ficam disponíveis na Casa: uma para o relator e outra para a Comissão de Finanças. 

Outra dificuldade que o tucano aponta é a aprovação de requerimentos pedindo que técnicos do governo destrinchem os dados e tirem as dúvidas dos parlamentares. “Normalmente existem ainda divergências de entendimento entre o tribunal e o Gabinete de Controle Interno (hoje superintendência) do governo sobre aplicações de recursos. A Assembleia em geral passa por cima do entendimento do TCE e fica com o do Controle Interno”, avalia o tucano. 

Falta de interesse

O presidente da Comissão de Finanças da Assembleia, Helio de Sousa (DEM), garante que existe assessoramento técnico para aqueles que têm dúvidas em relação aos balanços do governo. Para ele, o que falta a alguns deputados é interesse em conhecê-los realmente antes de votarem. “Poucos têm interesse de estudar. Em geral, aqueles que querem analisam as restrições do TCE”, explica. 

O democrata admite, contudo, que a aprovação dos balanços na Assembleia geralmente não é técnica, e sim política. “Mas quando um deputado vota ele tem de tomar conhecimento, senão é uma irresponsabilidade. Eu nunca votei sem ter conhecimento do assunto”, garante. Segundo ele, nos balanços que o governo enviou é possível, inclusive, detectar se existe ou não o propalado déficit que gerou a CPI do Endividamento.  

Ex-secretário da Fazenda (1995-1997) e ex-presidente da Comissão de Finanças do Legislativo, o deputado Romilton Moraes (PMDB) afirma que o TCE já envia à Assembleia os dados destrinchados das contas estaduais, o que facilitaria a análise por parte dos parlamentares. Em caso de dúvidas, os parlamentares têm a prerrogativa de pedir qualquer documento ao Estado, além de poderem solicitar parecer de técnicos do TCE. “Normalmente acompanhamos o relatório do TCE porque a função de detalhamento não é nossa. 

Mas a votação aqui na Assembleia não é técnica, diferente do TCE”, avalia. “Mas a Assembleia tem a prerrogativa de concordar ou discordar da análise do TCE também”, explica. 

Segundo o peemedebista, os deputados não recebem cópias dos balanços em seus gabinetes devido ao número de folhas do documento – que podem passar de mil páginas –, mas eles podem ter acesso a eles na comissão. “O deputado tem de ter iniciativa, procurar se informar”, critica. 

Mil páginas foram analisadas em dois dias

Erica Lettry 

A análise das contas do Estado na Assembleia Legislativa teve momentos marcados por polêmicas na atual gestão. No ano passado, os parlamentares aprovaram quase mil páginas de contas referentes a 2008 em apenas dois dias.

Não houve nem mesmo observações às 12 ressalvas feitas pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) destacando que o governo descumpriu obrigações constitucionais. Na ocasião os deputados Daniel Goulart (PSDB) e Thiago Peixoto (PMDB) foram os únicos a criticar a pressa do Legislativo. 

O relator das contas foi o tucano Júlio da Retífica, que entregou o relatório em apenas cinco minutos. Daniel ainda tentou um voto em separado pela aprovação dos balanços mantendo as ressalvas, enquanto Thiago Peixoto pediu a rejeição da matéria. O líder do Governo na Assembleia, Evandro Magal (PP), entretanto, apresentou voto em separado rejeitando os dois últimos votos, o que acabou mantendo o relatório de Júlio. 

No início do mesmo ano (2009), um fato inusitado provocou correria na Casa. Os deputados iniciaram o ano sem apreciar as contas de 2007, falha que foi apontada pela oposição. Conforme o regimento interno da Assembleia, os deputados não podem terminar o período legislativo sem votar as contas do governo do ano anterior.  

O balanço das contas de 2007 havia chegado à Assembleia em junho de 2008 e foi encaminhado para a Comissão de Finanças, onde ficou até o dia 7 de janeiro de 2009. O relator do projeto era o tucano Iso Moreira, que precisou ser chamado às pressas na Assembleia para entregá-lo. 

Já no fim da gestão passada a polêmica foi o fato de o relatório do TCE referente a 2005 não ter sido apresentado durante o período eleitoral. O fato foi interpretado pelo PT e PMDB como uma tentativa dos tucanos de esconderem os números, com temor de que pudessem ser prejudicados nas eleições. Conforme relataram os deputados, o balanço teria chegado à Casa no fim de março, mas só em novembro eles tiveram acesso.