Sinjufego

Para especialista, Congresso se amedronta diante de "patrulhas conservadoras"

Maria Berenice Dias afirma que legisladores do País têm receio de desagradar eleitores e, assim, perder votos

Mateus Bruxel/Folhapress

Maria Berenice Dias, desembargadora aposentada do RS

CRISTINA GRILLO
DO RIO

A desembargadora aposentada Maria Berenice Dias, 63, já se acostumou a ser olhada meio de lado quando começa a discorrer sobre direito homoafetivo, sua especialidade. "As pessoas sempre acham que, como me interesso por essas questões, sou homossexual", diz.
O motivo do interesse vem dos anos 70, quando teve que brigar muito contra a discriminação para se tornar juíza no Rio Grande do Sul, onde nasceu e vive. Ao ser admitida na magistratura, prometeu que ia lutar contra o preconceito -no passado, direcionado às mulheres; agora, aos homossexuais.
Para Dias, os tribunais brasileiros têm avançado, mas ainda faltam leis específicas para que direitos já garantidos aos casais heterossexuais, como união estável, herança e adoção, sejam estendidos aos homossexuais.
A advogada, que coordena esta semana no Rio o 1º Congresso Nacional de Direito Homoafetivo, afirma que o motivo é o receio dos legisladores de desagradar eleitores e, assim, perder votos.
"Como resultado, temos uma Justiça de meia-sola, que "adapta" leis para regularizar situações de fato".

Folha - O direito brasileiro é avançado na questão dos direitos dos homossexuais? Maria Berenice Dias - Podemos dizer que os tribunais avançam bem nessas questões e têm tomado decisões bastante coerentes, modernas. Mas não há leis que garantam os direitos dos homossexuais. Os legisladores dão a impressão de terem medo de patrulhas conservadoras, tradicionalistas, que os farão perder os votos de seus eleitores caso sejam favoráveis a esses temas.


Como os tribunais podem ser modernos se as leis não são?
Usa-se a legislação disponível para tentar organizar situações que existem de fato. É o caso da união entre pessoas do mesmo sexo. As leis brasileiras estabelecem que o casamento é a união de um homem e uma mulher. Assim, a solução para que casais homoafetivos é estabelecer contratos de sociedade, o que faz com que eles não criem uma família, mas que sejam sócios. É um subterfúgio para tentar legalizar uma relação de afeto que existe concretamente.


Isso não é suficiente para dar segurança jurídica aos casais homossexuais?
Fica uma justiça de meia-sola. Os bens conjuntos podem ser divididos. Mas não funciona em caso de morte de uma das partes. A pessoa pode construir uma vida inteira ao lado de outra, mas se o parceiro morre, não tem direito à herança nem tem direito à habitação.


Está no STJ um recurso que pode levar ao reconhecimento da união estável entre homossexuais. Como isso mudam a vida desses casais?
A partir da decisão, poderemos batalhar pelo direito a alimentos em casos de separação, à adoção...


E a adoção por casais homossexuais?
É outra questão difícil, pois não há legislação específica. A solução depende da sensibilidade do juiz. O que tem acontecido é a regularização de uma situação de fato. Uma das partes adota a criança. Tempos depois, a outra parte requer sua inclusão no registro da criança. Há uma decisão do STJ favorável a isso [houve recurso e o caso agora está no STF]. É o mais lógico. Imagine a situação da criança caso aquele que a adotou morra. Então, usa-se a brecha legal. Mas, mais uma vez é um subterfúgio.


Como a Justiça vê a questão da "barriga de aluguel" para casais homoafetivos?
Cuidei do caso de duas mulheres que viviam em união estável e decidiram usar a inseminação artificial para ter um filho. O óvulo de uma foi implantado no útero da outra. Ainda durante a gravidez, pedimos à Justiça que a criança, ao nascer, fosse registrada no nome das duas. O pedido foi negado e a criança foi registrada apenas no nome da que a gerou. Pedimos então a inclusão do nome da outra. Conseguimos, mas é tudo complicado.

Fonte: Folha de S. Paulo (20/03/2011)