Tribuna do Planalto - Política - De 7 a 13 de Março de 2010

Lis Lemos e Laila Melo - Especial para a Tribuna do Planalto

Há 100 anos a alemã Clara Zetkin propunha a criação de uma data para comemorar e relembrar as lutas das mulheres em todo o mundo. Se passaram 65 anos até que a Organização das Nações Unidas (ONU) instituísse oficialmente em 1975 o dia 8 de março como o Dia Internacional da Mulher. Trabalhar fora de casa, votar, ser eleita, ter direito à separação conjugal são conquistas femininas que mudaram o curso da história e a forma de organização da sociedade. Mesmo em meio a diversas mudanças, muita coisa ainda continua parecida com o século passado. Um das formas mais visíveis do machismo ainda presente na sociedade é a sub-representação feminina nos espaços de poder e decisão, principalmente na política.

A conquista do voto feminino no Brasil, atribuída a Getúlio Vargas, foi uma luta das mulheres da época, lideradas pela feminista Bertha Lutz. À luz desses ideais, a goiana Ana Braga se aventurou na política em 1947 pela extinta União Democrática Nacional (UDN). Eleita primeira vereadora de Goiânia, Ana Braga conta que a leitura dos textos de Bertha Lutz e que o momento político do país, que vivia na ditadura da era Vargas, a impulsionaram a discutir o papel da mulher na sociedade. Mesmo enfrentando dificuldades para viabilizar sua candidatura num espaço e num tempo extremamente machistas, Ana afirma que era respeitada por seus pares devido à sua atuação junto ao povo goiano. “Eu era muito respeitada. Naquele tempo eu era uma grande oradora e estudava muito, mas não só por isso. Sem falsa modéstia, eu me impunha ”, relata.

Do alto da sua experiência, Ana Braga faz severas críticas ao modelo politico atual.

Nascida num tempo em que a política era feita por ideais e sem grandes recursos financeiros como os da atualidade, Ana se diz incapaz de participar da vida pública nos moldes em que se encontra por não  aceitar a distância criada entre a classe dos governantes e o povo. “As mulheres são grandes deputadas de acordo com a vivência atual, mas os políticos são uma casta quase inatingível. As leis continuam sendo feitas, mas umas tão tolas que ninguém sabe para que serve. Uma mania de dar título para goiano todo dia”, alfineta.

Desde que Ana Braga foi eleita, há mais de 60 anos, muitas transformações aconteceram na vida política do país. O Brasil passou pela ditadura militar que cassou os direitos políticos de homens e mulheres e, pela primeira vez, experimenta mais de 20 anos ininterruptos de vivência democrática. A Constituição de 1988 assegurou direitos iguais para homens e mulheres, pelo menos no papel. A Lei 9.504 de 1997 que instituiu a cota partidária de um mínimo de 30% para cada sexo tem surtido poucos efeitos práticos na representação femininas nas Casas Legislativas e nos poderes Executivos espalhados pelo país.

Desafios

Cumprindo seu segundo mandato, a vereadora Cidinha Siqueira (PT) é adepta do pensamento de que só o sistema de cota partidária não resolve os problemas da sub-representação feminina. Para ela, um dos grandes entraves da participação da mulher na vida pública é o machismo ainda presente nas relações sociais. Isso afeta a percepção das mulheres em relação a elas mesmas e aos espaços que lhes cabem ocupar no mundo. Se a esfera pública é propícia aos homens, às mulheres cabe o mundo privado de suas casas. “A mulher não vê a política como um espaço que ela precisa ocupar. E ocupar não é tomar o espaço do outro”, analisa a vereadora.

Cidinha diz acreditar que a estrutura dos partidos políticos do país também colaboram para que a mulher tenha menos acesso aos campos de poder. Embora o sexo feminino esteja presente em grande quantidade nas estruturas de base dos partidos, elas não ascendem aos postos de comando internos.  “Os partidos deveriam possibilitar maior acesso às mulheres, criar formas de desenvolver cada vez mais líderes mulheres”, defende Cidinha.

Exemplos
Uma representante goiana que tem uma trajetória política admirada por muitos é a atual senadora Lúcia Vânia (PSDB). Lúcia chegou à política como primeira dama do ex-governador Irapuan Costa Júnior. Foi eleita deputada federal por três vezes e desde 2002 está no Senado Federal. Com as articulações de seu partido para a disputa ao governo do Estado, a senadora corre o risco de ficar de fora do pleito. Quem também figura como uma das líderes goianas no Congresso Nacional é a deputada Iris de Araújo, que foi a candidata mais votada em 2006.

Herança Política

As mulheres terão presença garantida na disputa pela presidência da República no próximo pleito e prometem acirrar a briga pelo comando do Executivo Nacional. A candidatura da Ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT), desponta nesse cenário. No entanto, a participação feminina na política ainda é pequena.

A Presidente do Conselho Estadual da Mulher e da União Brasileira de Mulheres (UBM) , Eline Jonas, explica que existe um perfil de mulheres políticas. Segundo Eline, em geral elas são parentes de políticos ou pessoas ligadas ao setor, e seriam raras as exceções de mulheres militantes. “Mas isso (a herança familiar masculina da política) não significa que elas não têm capacidade, seria uma forma delas entrarem em um meio tipicamente masculino”, explica a cientista política.

Já a jornalista e professora da Universidade Federal de Goiás (UFG), Ana Carolina Temer, traça um perfil mais otimista das mulheres atuantes na política. Segundo ela é um perfil em transformação. “Até algum tempo a mulher chegava à política por meio do marido ou do pai, agora ela está buscando sozinha estes caminhos, muitas vezes em oposição às decisões dos membros masculinos da família”, analisa. Ana Carolina detalha que essas mulheres estariam surgindo de sindicatos e grupos sociais, por exemplo.

Preconceito

A Doutora em Comunicação e Professora da UFG, Maria Luiza Mendonça, argumenta que o preconceito para com a mulher política está mudando. “Mas a imagem da mulher que nos é transmitida pelas famílias, escolas e televisão é que ela ainda ocupa um lugar secundário e de coadjuvante na sociedade e, consequentemente, na política também”, detalha.

Segundo a professora, vivemos em uma sociedade que coloca para a mulher a realização na vida privada e na pública como excludentes. Maria Luiza questiona essa designação de papéis, e afirma que não quer tornar a mulher brasileira uma cópia da “mulher maravilha”. “É uma questão de negociar papéis, atribuições e, lógico, infraestrutura digna para que os filhos não sejam um obstáculo ao sucesso profissional”, enfatiza.

Ana Carolina concorda que existe preconceito para com a mulher política. Ele seria uma “extensão ao preconceito contra a mulher que atua em qualquer área que exige esforço intelectual”, explica. Eline Jones aponta outra situação. Além do preconceito da sociedade em geral, as mulheres nutririam esse sentimento e, por isso, não elegeriam pessoas do mesmo sexo. “As próprias mulheres assimilam os valores da sociedade patriarcal”, diz. Segundo a professora, elas sofreriam condicionamento social e psicológico e por isso tomariam essa atitude.

De acordo com Ana Carolina o preconceito tenderia a diminuir na medida em que aumentar o número de mulheres no mercado de trabalho e, principalmente, quando elas passarem a ocupar postos chaves nas empresas. Já para Maria Luiza o quadro de preconceito para com a mulher atuante na política já está mudando, mas as mudanças culturais seriam mais lentas. “É preciso ações afirmativas e a existência de meios claros e específicos para que elas possam se sentir capazes de serem sujeitos ativos e autônomos na vida pessoal e social”, enfatiza Maria Luiza.

Nas Assembleias Legislativas e nas Câmaras Municipais o percentual de mulheres está entre 11% e 12%. Goiás possui 7 deputadas estaduais. Em 63 anos de atividade parlamentar nunca nenhuma mulher foi eleita presidente da casa.

Dos 594 representantes no Congresso Nacional, apenas 10% são mulheres. Goiás conta com 2 deputadas federais e 1 senadora.

Apenas 13% dos estados brasileiros são chefiados por mulheres. Esse número cai para 8% quando se trata de prefeitas de capitais brasileiras.

Nas secretarias de governo das capitais e dos estados as mulheres representam 20% do secretariado. No entanto, comandam pastas relacionadas ao mundo doméstico e de cuidados como a Educação e a Assistência Social.