Estatísticas sobre licenças médicas apresentadas pelos tribunais ao Sintrajud mostraram que cerca de 50% das licenças médicas de 2007 eram provocadas por transtornos mentais e comportamentais. Em entrevista ao Jornal do Judiciário Débora fala sobre a relação do trabalho com a saúde e o que o trabalhador pode fazer para se prevenir. Leia trechos da entrevista:
O que a despertou para o estudo da influência do trabalho na saúde mental?
No começo atuei com exposição a produtos químicos, só que enquanto todos estavam preocupados em fazer um estudo para entender como isso repercutia no sistema nervoso central, periférico, eu estava mais preocupada em entender como a situação da pessoa saber que está exposta a produtos perigosos pode causar danos psíquicos.
É interessante porque a maioria das pessoas que mexe com produto químico faz a avaliação para ver se a pessoa está intoxicada ou não. Foi por onde eu comecei, mas depois eu comecei a perceber que tinha outra coisa que misturava a estação. Na verdade, o trabalhador poderia até estar intoxicado e ter então vários sintomas da intoxicação, acontece que existia uma sobreposição dos sintomas dele com os sintomas ligados ao estresse de estar exposto.
A pessoa que está intoxicada e tem danos à saúde causados pela exposição ao produto químico vai ter também estresse pelos problemas de saúde que podem ser ocasionados. Tem a ver com o medo, e aí o trabalhador cria estratégias para lidar com o medo de ficar doente.
Como a Sra. avalia a mudança em relação a área de saúde do trabalhador, antes era mais observado do ponto de vista físico?
Eu sou uma pessoa que acredito que o ser humano é um todo e as coisas se interagem. Por exemplo, se a pessoa tem um acidente eu posso partir do pressuposto de que ela está atraindo o acidente como forma de se afastar do trabalho. Não que todos sejam isso, principalmente, porque tem muitas empresas que às vezes não dão condições mínimas de segurança, mas às vezes é uma forma radical da pessoa que não está se agüentando conseguir se afastar do trabalho.
Não que ela provocou o acidente, mas ela inconscientemente pode ter provocado. Não é consciente, ela não vai lá e corta o dedo de propósito. Mas de uma somatória de coisas, pode ter um componente.
Não existe só saúde e doença, tem toda uma parte intermediária que não se está nem doente nem saudável, está pelo meio. A pessoa já sente um monte de coisa errada, faz 500 exames e não dá nada. Por quê? Porque se está no meio do contínuo, numa zona nebulosa que não é nem saúde, nem doença.
Quais as principais queixas dos trabalhadores atualmente?
O que mais se tem hoje em dia é depressão e estresse, os vários tipos de estresse - transtorno de adaptação, estresse pós-traumático por causa do aumento da violência.
Há psicólogos que dizem que a depressão atingiu níveis epidêmicos, o ser humano estaria encontrando dificuldade em dar sentido à vida? Qual o papel do trabalho nessa busca de sentido?
É total. Tem alguns teóricos, por exemplo, Dejours, que fala que uma das principais questões da identidade é o trabalho. É onde a pessoa consegue ter uma importância social, uma relevância social, onde consegue estruturar o dia, se sente produzindo, fazendo alguma coisa útil. O trabalho tem um papel muito importante, no status mesmo dele enquanto ser, enquanto posição dele no mundo.

Então o que está acontecendo com o trabalho, com índices tão altos de estresse e depressão relacionados ao trabalho?
Vou te dar um exemplo bem prático. Eu, por exemplo, estou fazendo uma determinada pesquisa, a pesquisa está indo superbem, aí venho para trás porque no projeto que escrevi faltou escrever uma linha de uma besteira tal, que faz eu parar o trabalho inteiro.
Enfim, às vezes se perde tanto tempo com burocracia, que você não consegue fazer o seu trabalho. E aí vai perdendo o prazer de trabalhar.
Muitas vezes as pessoas são tiradas de uma função que elas estão bem, estão desempenhando bem, para ser jogada em outra que ela nem sabe fazer, depois ela erra e é culpada porque errou, porque ninguém treinou, porque ninguém ensinou, então esses absurdos acontecem o tempo todo.
E no serviço público isso é comum?
No público e no privado. As organizações simplesmente não sabem como trabalhar o talento das pessoas e a motivação das pessoas, seus desejos. Não sabem tirar proveito disso.
A organização é como que as pessoas se estruturam para conseguir melhor seus fins.
Por exemplo, nas empresas de telefonia, as coisas não funcionam e por quê? Porque as coisas não são feitas por funcionários, não tem racionalidade na forma de organizar o serviço. Pode observar em qualquer lugar.
As coisas funcionam única e exclusivamente porque tem um ou outro que tem muita vontade que aquilo funcione e ele coloca o sangue dele nisso, mas não porque as coisas estão organizadas para funcionar.
Hoje em dia com a crise econômica, desemprego, as pessoas não se angustiam mais e isso acaba sendo um fator determinante para o crescimento dos níveis de depressão e estresse?
Propicia e a empresa joga bem com isso para obter mais produção das pessoas. Toda a situação econômica é fator de depressão e eu vou te falar ainda uma outra coisa que para mim também é: a situação de corrupção do governo. Pode parecer uma besteira que não tem nada a ver com o trabalho, mas tem porque na verdade pensamos o quanto trabalhamos e nos esforçamos para pagar um quilo de impostos.
Os centros de referência em saúde do trabalhador são ainda excelência dentro do que é a saúde no geral. Por exemplo, o que está acontecendo na prefeitura, aumento de 0,01%, isso foi a inflação, ou o que realmente arrecadou? Mentira. Tem muito mais do que isso para dar de aumento. Em termos de política, não há uma política para valorizar o servidor para que ele realmente possa estar ali num emprego só.
Como diagnosticar que o transtorno mental está relacionado ao trabalho?
Então na verdade isso não é tão difícil porque você consegue entender o trabalho da pessoa. Eu faço um esquema assim primeiro eu tento o sintoma que ele me traz e que tipo de problema que ele tem, então é uma parte diagnóstica. Depois eu tento entender qual o trabalho da pessoa, como o trabalho é e de que maneira esse trabalho foi impactando no psiquismo dele para entender.
Vou fazendo todo esse caminho junto com o paciente até que chega um momento em que eu consigo dizer claramente. Tem casos que é muito tranqüilo, você fala assim, o trabalho contribuiu, mas ele também tem problema na família, as duas coisas se juntaram.
E o trabalhador, como ele pode diagnosticar?
Então eu acho que ele percebe, mas se engana. Tem muito de ideologia, de virilidade, de onipotência. O trabalhador tende a pensar “eu dou conta”, “isso não é nada”, “eu é que estou errado”, tem muita crença que atrapalha para ele perceber que o trabalho está fazendo mal, ou que ele tem uma doença. Ele não percebe nem que está ruim, vai percebendo depois, mas não cai a ficha, demora para saber que está sendo assediado, acha que é comum, até que começa a perceber que o trabalho está muito fora.
Uma pesquisa realizada pelo Sintrajud entre os trabalhadores do Judiciário federal no Estado de São Paulo mostrou que um terço dos entrevistados já sofreu algum tipo de assédio moral nos locais de trabalho e 78% já presenciaram algum tipo de assédio moral. Quais são os prejuízos à saúde mental do trabalhador em casos de assédio moral?
Total, vai destruindo toda a autoconfiança, a autoestima da pessoa. A pessoa começa a duvidar de suas percepções, dela mesma, e acho que com o tempo esse processo, que é uma coisa insidiosa, repetitiva, de uma crueldade, vai minando essa pessoa em termos de autoconfiança, autoestima.
A pessoa vai realmente descambando para alguns problemas de saúde mental e aí costumam ser comuns as depressões, os transtornos de estresse pós-traumáticos, pode levar até ao suicídio.
Uma coisa que é muito complicada hoje em dia é que as pessoas acham que o assédio é só entre o chefe e o funcionário, ou colega com outro colega. Isso é um tipo de assédio, mas tem o assédio que chamamos de organizacional, que é o assédio construído pela cultura, pelos métodos da organização e que acaba levando a esses outros tipos de assédio também.
É aquele assédio em cima de metas impossíveis de alcançar, extremamente difíceis, que para consegui-las, as pessoas se matam. São aparentemente muito objetivas, mas para conseguir isso as pessoas se matam e matam os outros.
Mas isso é construído em termos da própria estruturação da instituição, ela própria coloca coisas impossíveis.
É possível mudar isso?
Não é nada simples. Eu fui numa empresa que é considerada o ícone da modernidade, ela tem um programa chamado gestão à vista. São quadros que dizem quanto de produção em termos de número cada pedacinho da empresa tem que ter, tem que produzir tanto disso e tanto daquilo, em cada área, no RH, quantas seleções, etc.
Ai quando você pergunta para os funcionários, vocês conseguem atingir esses números? Eles respondiam: preciso me matar para conseguir esse resultado. Só que se eles conseguirem esse, o próximo será maior. É impossível trabalhar desse jeito. Por isso, mexer com esse tipo de coisa acaba evitando até assédio.
Uma das chaves para lidar com a questão é a humanização do trabalho, isso para mim é o básico.
A Sra. disse que entre a saúde e a doença tem uma parte intermediaria, o que a senhora quer dizer com isso?
Na verdade o que é estar totalmente saudável? Será que é não ter nenhuma angústia, nenhum tipo de dúvida? Saudável é o ideal na verdade, totalmente saudável não quer dizer não ter angústia, não ter problemas.
Tem muitas coisas que podem influenciar e fazer com que se desequilibre. Quanto maior o desequilíbrio, mais você vai se aproximando dos estados realmente de doença. Só que até que esse desequilíbrio se manifeste fisicamente, ou organicamente, tem um tempo. Nesse tempo você já sente o desequilíbrio, a pessoa já não se sente bem. Pode observar, tem vezes que a pessoa está se queixando, diz não estar bem, não está normal, tem a queixa, vai ao médico, faz quinhentos exames e não dá nada, mas ela já não está se sentindo bem e aí você pode esperar que daqui a um tempo variável vai aparecer uma coisa concreta.
Até manifestar no físico a pessoa já não estava bem.
Fonte: Sintrajud