moldura geral foto historica 03

​*Por Allan Titonelli

​O governo federal tem tratado a reforma da Previdência como uma das propostas de maior importância para o país, sob o fundamento de que o regime geral da previdência e o regime próprio seriam deficitários. Não obstante, veremos como a contabilidade do governo é enganosa.

Não é de hoje que o governo tem “fabricado” artimanhas orçamentárias para justificar “rombos” na Previdência. Veja-se, como exemplo, a Previdência Pública (regime geral da Previdência). A Previdência, por natureza, deve ter caráter contributivo, motivo pelo qual tudo aquilo que não houver uma retribuição pecuniária para a prestação de um serviço ou benefício não pode ter natureza previdenciária, mas não é isso o que ocorre na realidade.

Em verdade, há diversos benefícios pagos pelo governo federal que não possuem qualquer natureza previdenciária, mas que são orçamentariamente alocados na conta da Previdência Social. Pode-se citar como exemplo o Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social (BPC-Loas) e os benefícios destinados ao segurado especial, comumente conhecido como rurícola. Nesses dois casos o cidadão fará jus a um benefício, desde que cumprido certos requisitos, sem ter feito qualquer contribuição à previdência. Essa é uma prova cabal de que há benefícios evidentemente assistenciais que estão sendo pagos pelo caixa da Previdência Social. Nesse contexto, o suposto déficit seria fabricado, pois se a Previdência paga rubricas de outras naturezas não há como gerar qualquer saldo positivo.

Além do que, destacamos outro mecanismo financeiro fabricado que retira receitas da previdência, qual seja, a Desvinculação de Receitas da União (DRU), que, conforme consta das próprias explicações do site oficial do senado, constitui-se precipuamente de receitas oriundas das contribuições sociais, as quais integram receitas da Previdência, ou seja, retira-se recursos da previdência para pagar outras contas, assim:

"A DRU é um mecanismo que permite ao governo federal usar livremente 20% de todos os tributos federais vinculados por lei a fundos ou despesas. A principal fonte de recursos da DRU são as contribuições sociais, que respondem a cerca de 90% do montante desvinculado.

Criada em 1994 com o nome de Fundo Social de Emergência (FSE), essa desvinculação foi instituída para estabilizar a economia logo após o Plano Real. No ano 2000, o nome foi trocado para Desvinculação de Receitas da União.

Na prática, permite que o governo aplique os recursos destinados a áreas como educação, saúde e Previdência Social em qualquer despesa considerada prioritária e na formação de superávit primário. A DRU também possibilita o manejo de recursos para o pagamento de juros da dívida pública".

Soma-se ao exposto os incontáveis incentivos fiscais e isenções concedidas pela União nos últimos anos, os quais determinaram renúncias de verbas previdenciárias que somadas ultrapassaram 58 bilhões de reais só no exercício de 2014, segundo dados do TCU.

De outro lado importante também combater a argumentação de que o regime próprio dos servidores civis da União seja deficitário. Nesse sentido, o modelo proposto pelo governo tenta transverter uma lógica privada para o setor público, que possui diversas peculiaridades, entre elas o fato do empregador público pagar encargos patronais menores; do servidor público não possuir direito ao FGTS; do servidor público aposentado ou pensionista, sujeito ao regime próprio, continuar contribuindo à Previdência, entre outros.

Acresce-se que a União custeia o pagamento de reformas e pensões dos servidores militares federais e do Distrito Federal sem que haja uma contrapartida desses. Importante registrar que esses segmentos representam cerca de 45% dos gastos da União com aposentadorias e pensões, o que não justifica qualquer desequilíbrio previdenciário imputado aos servidores civis da União.

Após a reforma da previdência, implementada pela Emenda Constitucional 41/03, a arrecadação previdenciária dos servidores civis federais tem crescido anualmente, diminuindo, consequentemente, o aporte de recursos do Tesouro, demonstrando que já há uma estabilidade no regime em debate. De outro lado, os gastos da União com o pagamento de aposentadorias e pensões dos servidores do Distrito Federal tem crescido anualmente, o que, mais uma vez, refuta o argumento de que a Previdência dos servidores públicos civis federais acarretaria “sangrias” nas contas da União.

A grosso modo, e a título exemplificativo, se pegarmos a remuneração de um servidor público federal que ganha R$ 5.000,00 mensais, e calcularmos os valores que deveriam ser revertidos para seu regime próprio, considerando uma alíquota de 11% do servidor (R$ 550,00) e de 22% do empregador público (R$ 1.100,00) - para aqueles que entram no serviço público antes da entrada em vigor do regime da previdência complementar - teríamos o total de R$ 1.650,00 mensais. Dessa forma, se houvesse essa contribuição fixa por 30 anos, rentabilizando pelo CDB, o servidor somaria um total de R$  5.786.822,00, o que possibilitaria 360 retiradas mensais de R$ 59.524,00[4]. Fazendo o mesmo cálculo só com as contribuições do servidor (R$ 550,00), chegaríamos ao montante final de R$ 1.928.941,00, o que determinaria 360 retiradas mensais de R$ 19.841,00. Observa-se que em qualquer das hipóteses a rentabilização após sua hipotética aposentadoria seria muito maior que sua remuneração. Isso sem levar em conta que após a EC 41/2003 os servidores públicos ainda continuam pagando a Previdência após a sua aposentadoria no regime próprio.

Ante ao exposto, seja considerando o regime geral da Previdência ou o regime próprio, somente se o governo fizer malabarismos financeiros é que encontrará algum déficit.

​---
​*Allan Titonelli​ ​é procurador da Fazenda Nacional​

endereco 00