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O excesso de trabalho e o stress prolongado pode causar a síndrome de burnout, provocando dores, irritação e depressão

Quando pôs a mão no diploma de administração, há nove anos, Lauro N. era um exemplo de jovem com "alto potencial." Tinha 28 anos, nenhum vínculo, mostrava-se ávido para aprender e, graças à excepcional qualificação, predestinado a ter uma carreira esplêndida. 

Lauro de fato fez valer todo seu potencial. Começou como consultor organizacional e logo chegou a uma posição de comando. Carro da empresa, bom salário, responsabilidade. Porém, em troca do sucesso profissional, teve de se sujeitar a certas rotinas. Frequentes viagens, muitas noites em hotéis, 60 a 80 horas de jornada semanal e compromissos nos fins de semana - durante anos. "De vez em quando, eu sentia quanto era puxado, mas, por muito tempo, toda aquela exigência, o trabalho sob pressão e os níveis de excelência que eu mesmo me impunha me davam enorme prazer, um verdadeiro barato", conta.

Um "barato" que terminou no hospital. Um dia, Lauro despencou. Sentiu fortes dores de cabeça, tontura e taquicardia. No diagnóstico, a surpresa: síndrome do esgotamento profissional. O consultor tinha adoecido em virtude dos anos de sobrecarga no trabalho.


Variados Sintomas 

Também chamada síndrome de burnout, a enfermidade deve o nome ao verbo inglês "to burn out" - queimar por completo, consumir-se - e ao psicanalista nova-iorquino Herbert J. Freudenberger, que a nomeou no início dos anos 70. Ele constatou em si mesmo que sua atividade profissional, que tanto prazer lhe dera no passado, só o deixava cansado e frustrado. Também notou em muitos de seus colegas, antes apaixonados por seu ofício, a estranha mutação que os transformava em cínicos depressivos, capazes de tratar os próprios pacientes com crescente insensibilidade e desinteresse.

Ao voltar sua atenção para outras profissões, deparava sempre com os mesmos problemas: oscilações de humor, distúrbios do sono, dificuldade de concentração, muitas vezes combinados com sintomas físicos, como dor de cabeça ou problemas digestivos. Além de dar nome à sua descoberta, Freudenberger definiu o burnout como "um estado de esgotamento físico e mental cuja causa está intimamente ligada à vida profissional".

O fenômeno não é novo. O escritor alemão Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832) certo dia sentiu-se incapaz de suportar as pressões do ofício ministerial que desempenhava na corte de Weimar e, explicando temer o fim da inspiração poética, retirou-se para a Itália, aos 37 anos. Por sorte, tinha um chefe tolerante, o duque Carlos Augusto. Ele chegou a intimar o subordinado a recuperar-se por completo e a só retornar quando sentisse a "energia poética" restabelecida em sua plenitude. A "licença-prêmio" de Goethe estendeu-se por quase dois anos.

Jürgen Staedt, diretor da clínica de psiquiatria e psicoterapia do complexo hospitalar Vivantes, em Berlim, recebe com frequência cada vez maior pacientes que não conseguiram pisar no freio a tempo. Mais de 15% dos que hoje o procuram com distúrbios de caráter depressivo são diagnosticados com a síndrome do esgotamento profissional. Não há, porém, estatísticas que comprovem o aumento. Na opinião do professor de psicologia do comportamento Manfred Schedlowski, do Instituto Superior de Tecnologia de Zurique (ETH), isso se explica pela dificuldade de diferenciar a síndrome de outros males. Até porque a maneira pela qual ela se manifesta varia muito. "Uma pessoa apresenta dores estomacais crônicas; outra reage com sinais depressivos; a terceira desenvolve um transtorno de ansiedade de forma explícita", explica Schedlowski. Já foram descritos mais de 130 sintomas do esgotamento profissional. 

É preciso relaxar

Mesmo sem números concretos, de uma coisa os especialistas têm certeza: a pressão nos variados ambientes profissionais tem sido cada vez maior. "Nos últimos dez ou 15 anos, principalmente nas grandes cidades, a vida tornou-se mais rápida e mais agitada. Hoje, sentir-se estressado praticamente integra o cotidiano profissional", constata Schedlowski. Em si, a reação do stress é uma invenção sensata da Natureza, porque auxilia o ser humano (e todos os vertebrados) a enfrentar situações de perigo.

Sem que tenhamos consciência, o cérebro percebe riscos potenciais e - por meio de um mecanismo ancestral, do ponto de vista filogenético - põe o corpo em estado de alerta numa fração de segundo. O problema é que, mesmo sem estarmos diante de um urso enorme, mas apenas do chefe - que quer aquela apresentação pronta em meia hora -, nosso "programa de emergência" põe-se a funcionar do mesmo jeito: a glândula suprarrenal secreta os hormônios, o coração acelera, a pressão sobe. Até aí, tudo bem, contanto que adrenalina e outros estimulantes orgânicos não permaneçam na corrente sanguínea. Porém, se o stress perdurar por semanas, meses ou mesmo anos, consequências duradouras para o organismo estão pré-programadas também. Há tempos a ciência sabe que o stress crônico - denunciado pelo alto nível do hormônio cortisol - debilita o sistema imunológico e o corpo fica mais suscetível às infecções.

Fundamentalmente, não há órgão do corpo humano no qual agentes do stress não deixem sua marca. É por isso que um sistema hormonal em permanente atividade é capaz de deflagrar inúmeros males da síndrome do esgotamento. "Em alguns, o stress prolongado repercute apenas na psique. Outros sofrem com sintomas físicos". Por que é assim os pesquisadores não sabem dizer. "Bem, cada um tem seu ponto fraco", afirma o psicólogo.

Aos cientistas, interessa mais outra questão: por qual motivo uma pessoa é capaz de, sem maiores problemas, suportar anos de atividade extenuante, agenda cheia e enorme pressão por resultados, ao passo que outra, sob carga de trabalho objetiva e até menor, ameaça sucumbir? Embora a quantidade de trabalho seja um fator relevante, decerto não é o decisivo. "Se alguém enfrenta uma jornada de 12 horas diárias, mas, ao mesmo tempo, encontra um meio de relaxar, é muito provável que ela não tenha problema algum", esclarece Staedt. "Por outro lado, é possível que um emprego de meio período seja percebido como extremamente estressante, conduzindo ao desenvolvimento da síndrome.” 

Memória Afetada

Especialistas concordam que, por si só, uma jornada de 60 horas semanais não causa doença, contanto que se encontre o equilíbrio entre tensão e relaxamento. Pacientes afetados pela síndrome, entretanto, ultrapassaram muito a "fronteira da adaptabilidade às demandas". Os sistemas internos de processamento do stress dessas pessoas sofrem de sobrecarga crônica.

Começa aí um calvário comum a muitos pacientes da síndrome do esgotamento profissional. Lauro N. se lembra muito bem. "A partir de certo ponto, o trabalho me consumia tanto que minhas outras necessidades já não contavam. A dedicação exacerbada deu lugar, então, a uma exaustão e a um desânimo que pioravam cada dia mais.” 

Ao mesmo tempo, desapareceu seu interesse por outras pessoas. Ele foi se retraindo progressivamente, restringindo seus contatos sociais ao mínimo necessário. Tratando-se da síndrome de burnout, essa tendência ao recolhimento é a regra, mas só faz piorar a situação. Cedo ou tarde, a capacidade de desempenho dos portadores da síndrome se reduz. Eles não conseguem se concentrar, deixam de ter ideias criativas e até mesmo a memória é prejudicada. Muitos acabam por se tornar "esquecidos". Foi o que aconteceu com Lauro N. Erros começaram a imiscuir-se de forma quase inevitável no trabalho. "Notar que já não se está trabalhando direito redunda em pressão ainda maior, de ordem interna, e tem início aí o círculo vicioso", observa Staedt. 

Esse ainda não é o fundo do poço. O stress e a insatisfação consigo mesmo causam graves danos ao psiquismo. Os exauridos arrastam-se pelo dia de trabalho - resignados, desencorajados, atormentados por sentimentos de inferioridade e pelo medo do fracasso. Tentativas de suicídio não são raras. "Quem não consegue interromper o círculo vicioso, alimentado pela soma de demandas profissionais e demais exigências do cotidiano, pode colocar a própria vida em risco", adverte Schedlowski.

Quanto antes se procura ajuda especializada, maiores as chances de escapar. Pessoas que vão para o trabalho que antes as empolgava e ficam cada vez mais desmotivadas e estressadas devem examinar sua rotina e, a partir daí, procurar um profissional.

Infelizmente, os afetados são muitas vezes os últimos a perceber a situação crítica em que se encontram e relutam em buscar auxílio. Ninguém se esgota da noite para o dia. Ao contrário: as baterias falham tão devagar que muitos nem sequer registram as sutis alterações. Horas extras, turnos de fim de semana - tudo bem, trabalho não mata! Em algum momento, porém, a partida de futebol é cancelada. O jantar com o namorado fica para outro dia. A viagem com os amigos planejada há tempos é adiada. No trabalho tudo parece mais difícil: a dor de cabeça impede o profissional de se livrar da montanha cada vez maior de papel sobre a mesa. Além disso, o colega ali bem que poderia ter dado conta da papelada toda...

Entre as pessoas em cargos de direção ou pequenos empresários que têm uma enorme carga de tarefas sob sua responsabilidade, predomina a crença equivocada na própria invulnerabilidade. Quem ocupa um cargo de comando está acostumado a superar desafios, vencer dificuldades, exibir alto desempenho até em momentos críticos - chegando a limites extremos. Muitos simplesmente se esquecem de que seres humanos precisam também de equilíbrio e repouso.

Staedt sugere uma comparação: "Quando a gente tem um carro, faz revisões periódicas e verifica com frequência o nível do óleo. Pessoas que sofrem de esgotamento profissional não levam seu \\`carro\\` para fazer a revisão, rodam 100 mil km a toda velocidade e, depois, espantam-se quando o motor entra em pane. Em relação a si próprias, renunciam à manutenção e aos cuidados". 

Onde há fogo, há de ter havido fumaça. Ainda que julgue um tanto inusitada a inversão do tão citado provérbio, ela se aplica, sobretudo, àqueles que se entusiasmam com seu trabalho, assumem responsabilidades, identificam-se com a própria atividade - pessoas para as quais a profissão é uma auto realização. São médicos, professores, executivos, empresários e profissionais liberais. Por isso, especialistas definem a síndrome como a doença do desempenho-mor. 

É uma doença que reflete um desenvolvimento crítico da sociedade. "Em nosso mundo, as pessoas se definem cada vez mais por sua capacidade de desempenho no trabalho, pelo sucesso profissional - e cada vez menos com base nas relações interpessoais ou nas atividades sociais", comenta Staedt. É perigoso depreender toda a nossa autoestima daquilo que somos capazes de realizar no trabalho. Muitos pacientes têm o que alguns psicólogos chamam de "estilo autoconfiante de personalidade". "São como hamsters fazendo girar a roda, só ficam satisfeitos depois que conseguem atingir um número respeitável de giros. É assim que estabilizam seu psiquismo."

Sem elogios

O desejo e a necessidade de ser sempre o melhor levam essas pessoas a uma altura cada vez maior na espiral do desempenho - até o ponto em que não é possível subir mais. Então, o sistema entra em colapso. O sentimento de que o mais elevado empenho profissional não é reconhecido a contento resulta numa crise de insatisfação e age como um fator adicional de stress. A medicina ocupacional critica o fato de o elogio ter praticamente caído em desuso em muitas empresas. Em geral, se ninguém diz nada, é porque está tudo bem. No entanto, mesmo um retorno crítico seria melhor do que nenhum.

No caso do paciente vitimado pela síndrome do esgotamento, não funciona o bem intencionado conselho para que afrouxe as rédeas e desligue o computador. Quem deseja vencer a crise de modo duradouro precisa aprender que outras coisas, além do sucesso profissional, podem dar satisfação. É justamente daí que partem os terapeutas. Os "esgotados" devem se abrir para outras fontes capazes de nutrir sua autoestima. Eis aí o objetivo - novos passatempos, encontros com amigos, períodos em contato com a Natureza, ouvir música, dançar, o que quer que lhes dê prazer e os faça relaxar. O importante é reerguer a vida sobre diversos pontos de apoio. O sucesso do método, porém, depende principalmente da disposição do paciente de admitir que os princípios que orientaram sua vida até o momento o fizeram adoecer e de se propor mudá-los.

Aí está a questão, na opinião de Schedlowski. "É preciso se livrar daqueles traços da personalidade que até funcionaram até então como garantia de sucesso profissional." Trata-se de uma espécie de plano mestre, cuja origem muitas vezes remonta à infância dos esgotados executivos. 

 “Quem, por exemplo, aprendeu logo cedo a ser sempre pontual e a fazer tudo com perfeição se beneficiará disso mais tarde", explica o psicólogo. Graças às virtudes adquiridas e exercitadas, certas pessoas vão bem no colégio e na universidade e, depois, na escalada rumo ao topo da carreira.

Propulsores internos

Isso pode prosseguir sem problema até a aposentadoria. Ou, em dado momento, provocar uma reviravolta. Esse momento chega quando os pacientes já não conseguem corresponder com tranquilidade e facilidade às demandas do trabalho e, sobretudo, às exigências que impõem a seu próprio desempenho. Poucos, porém, conseguem se livrar de sua receita de sucesso. Os propulsores internos seguem em plena atividade e, em fases de grande pressão externa, produzem ainda mais stress. Está aí a crueldade do esgotamento profissional: os princípios e as qualidades pessoais que levaram as pessoas adiante durante tantos anos de repente se voltam contra elas não lhes permite sair da roda-viva do stress.

Por isso, a equipe de Zurique trata seus pacientes em vários planos. Em primeiro lugar, eles aprendem métodos para lidar melhor com situações estressantes, como exercícios voltados para a comunicação e técnicas de relaxamento. No treinamento individual, Schedlowski procura corrigir posturas que levaram os esgotados ao desastre. Essa "correção do plano mestre" é a parte mais difícil da terapia, que se deve ao modo de funcionamento do cérebro: aquilo que se aprendeu desde cedo e se praticou durante anos fixa-se com firmeza. "Modificar princípios e comportamentos internalizados de maneira tão intensa demanda um treinamento que, de fato, leva algum tempo", esclarece o psicólogo.

Jogadores profissionais de golfe ou tênis conhecem o problema. Seu cérebro armazenou tão bem determinados movimentos que eles os realizam de forma quase automática. Se um tenista deseja modificar seu saque, necessita de um treinador para observá-lo e corrigi-lo. E precisa treinar, treinar mais, treinar muito para que o novo movimento possa ser aplicado com segurança no jogo. Mesmo que seja sob a pressão de uma final em Wimbledon.

Para os pacientes com síndrome do esgotamento profissional, a prova de fogo acontece em pleno jogo decisivo - o do trabalho. Não são poucos os que fracassam por subestimar a gravidade da situação. Na opinião de Schedlowski, são necessários quatro meses para uma terapia comportamental externa. Ao longo desse tempo, os pacientes precisam treinar sem cessar os novos padrões de comportamento e testá-los no dia-a-dia, da mesma forma como faz o tenista. O cérebro requer esse empenho. 

O tempo influi no prognóstico para o paciente. Quem, exaurido, arrasta-se por meses ou anos no trabalho, por vezes até o colapso total, prejudica as próprias chances de cura. É por essa razão que especialistas aconselham a levar a sério sinais de alarme como falta de vontade, cansaço e exaustão, sobretudo quando persistentes.

O melhor ainda seria, claro, não cair no círculo vicioso da auto cobrança demasiada e da pressão interior. Os terapeutas suíços apostam na prevenção pela informação. "Na vida profissional de hoje, o stress é quase normal", afirma Schedlowski. "Quando sabemos como nos proteger das consequências, o risco do esgotamento é muito menor."

A regra número um é administrar com cautela nossos recursos físicos. As medidas anti-stress são simples e eficazes: alimentação saudável, exercício físico e uma boa noite de sono. Número dois: mesmo sobrecarregado, é preciso observar o equilíbrio entre tensão e relaxamento - é preciso haver equilíbrio entre trabalho e vida particular. 

Cada um tem de encontrar seu próprio mecanismo de compensação do stress. Há pessoas que relaxam preparando-se para uma maratona; outras repousam curtindo música ou cuidando do jardim. O passatempo pouco importa - o que interessa é ter um. O mesmo vale para os contatos sociais. Seja entre amigos ou na família, é fato que as relações interpessoais protegem contra o esgotamento. De resto, quem se isola por causa do trabalho extenuante não terá mais ninguém a quem chamar numa emergência, quando vier a precisar de ajuda e companhia.

Schedlowski aconselha as vítimas do stress profissional a aprender uma técnica para relaxar - como ioga, meditação, treinamento autógeno ou relaxamento muscular. E a fazê-lo antes que precise dela com urgência, porque os primeiros sinais do esgotamento já se anunciam. O passo decisivo, no entanto, é dado na cabeça, constata o psicólogo: "Na vida profissional, é preciso adotar o mais cedo possível uma postura que dê à saúde e ao bem-estar psíquico no mínimo a mesma importância atribuída à ascensão na carreira".

Lauro N., com seu alto potencial, ignorou esse fato por muito tempo. Foi somente ao ver-se numa unidade de terapia intensiva, "sozinho e na pior", que uma luzinha acendeu em sua cabeça. Lauro mudou de vida. Abandonou o emprego, lutou para recuperar os amigos e realizou o sonho da juventude de fazer uma grande viagem pelo mundo. Depois disso, voltou a atuar como consultor e tem hoje um cargo até melhor que antes.

Agora tudo é muito diferente. "Pratico esporte, tenho mais tempo livre, reservo pelo menos duas horas por semana para fazer coisa nenhuma e, acima de tudo, curto a vida. Meu trabalho continua sendo importante, mas outros aspectos também têm tem prioridade." Seu balanço da nova vida: "Nunca me senti melhor!".

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Por Ludmyla Dayrell, Psicóloga Psicodramatista e Professora Universitária

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