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Em 1995, ao escrever "Jihad versus McMundo: Como o globalismo e o tribalismo estão transformando o mundo" (Ed. Record, 2003), Benjamin Barber antecipou em seis anos o choque que os Estados Unidos provariam depois com o ataque às Torres Gêmeas: a descoberta de que a globalização capitalista e o radicalismo islâmico podem reforçar um ao outro.

Há três anos, antes do colapso financeiro da Wall Street e da recessão global, com o seu último livro, previu a implosão de um modelo econômico fundado sobre o endividamento. Agora que esse livro é publicado na Itália – "Consumido: Como o mercado corrompe crianças, infantiliza adultos e engole cidadãos" (Ed. Record, 2009) –, o leitor italiano pode descobrir nele muito mais do que uma crítica ao hiperconsumismo.

Barber é cientista político além de econômico: a sua preocupação se refere à transformação da figura do cidadão, à perda de liberdade e soberania, à privatização da esfera pública. São os temas aos quais consagra a sua vida de militante da democracia participativa, na sede da associação Demos, onde o encontramos em Nova York.

A reportagem é do jornal La Repubblica. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis a entrevista.

Professor Barber, um dos temas centrais de "Consumido" é a regressão à fase infantil à qual o capitalismo moderno leva os consumidores. O senhor a define como a síndrome de Peter Pan. O fenômeno é mundial. Por que o epicentro originário é nos EUA?

Porque um dos aspectos fascinantes dos EUA, nação jovem, é uma espécie de inocência original: a ideia de que tudo pode recomeçar, um mito particularmente importante para os imigrantes. O Novo Mundo sempre foi fascinado pela juventude, e isso é positivo. O lado obscuro, ao invés, tem a ver com a exploração da ingenuidade infantil. Na esfera econômica, assiste-se há muito tempo uma banalização, uma infantilização dos consumos, uma estupidificação das mercadorias e também dos produtos culturais para fazer com que sejam apetecíveis aos adolescentes e às crianças. Paralelamente, é preciso dar poder econômico aos adolescentes e às crianças, até cartões de crédito, para conquistar faixas de consumidores sempre mais precoces.

O fato de querer criar novos mercados, novas faixas de consumidores não esteve sempre na natureza do capitalismo?

Desde as suas origens, o capitalismo ocidental teve a capacidade de satisfazer necessidades reais de massa e, portanto, tinha uma utilidade social, que se conciliava com o enriquecimento privado e a acumulação do capital nas mãos da burguesia industrial. Além disso, a ética protestante da gratificação diferida exaltava a virtude da economia, e isso favorecia o investimento. Durante 400 anos, esse sistema funcionou tão bem que desembocou em uma situação, depois da Segunda Guerra Mundial, em que grande parte da classe média nos países desenvolvidos já tinha satisfeito todas as suas necessidades. Diante do risco de uma crise do crescimento, o capitalismo fez uma reconversão: começou a produzir necessidades ainda antes de produzir bens. Esse foi o início da era do superconsumo, a inauguração do novo ethos infantilista.

Que papel tem a infantilização do consumidor, ou daquilo que o senhor define como a transformação do adulto em um "adultescente"?

O capitalismo contemporâneo exalta o gastar em vez do economizar, o vender em vez do investir. A ideia de servir a sociedade é substituída pelo hedonismo, a centralidade do prazer, o servir a si mesmo. Adolescentes e crianças se tornam o arquétipo, o modelo do consumidor ideal porque são impulsivos, não refletem muito antes de comprar. Por isso, o marketing e a publicidade ampliaram as fronteiras dos consumos para faixas de idade sempre mais baixas: antes os adolescentes, agora também as crianças de três anos.

Mudou também o consumidor adulto. Temos a síndrome de Peter Pan, o mito da eterna juventude, encorajado pela publicidade e pelo entretenimento.

Sim, a bondade é associada ao fato de continuar sendo, ainda na idade adulta, consumidores-crianças, egocêntricos que dizem "eu quero" para sempre. É uma operação cultural de nivelamento para baixo. O capitalismo entra em conflito com sistemas de valores mais antigos, como as religiões, por exemplo na visão do papel parental. As religiões sempre procuraram reforçar a autoridade dos pais. Para o capitalismo contemporâneo, ao invés, os pais são os "guardiões do portão", dos obstáculos entre o adolescente e o consumo. Daqui, surge uma pressão fortíssima para abolir a disciplina parental. O capitalismo moderno é a combinação desses dois elementos: a invenção de necessidades e a infantilização da sociedade adulta.

No livro "Consumido", o senhor não para aqui. A passagem posterior é a denúncia das consequências para a democracia.

No capitalismo atual, a nossa identidade primária e que se sobrepõe é a do consumidor, não a do cidadão. O papel do Estado é diminuído, esvaziado, contestado. A própria política se torna marketing, os candidatos se veem como produtos de longo consumo. Consolida-se a ideia de que o único modo por meio do qual nós exercemos uma forma de poder é quando compramos.

Isso também é verdade na versão de esquerda, militante: muitos movimentos propõem mudar o mundo operando sobre as escolhas de consumo. O Slow Food nos ensina a promover o desenvolvimento sustentável quando fazemos as compras de alimentos. O Fair Trade nos leva a adquirir o café e o cacau por meio de uma rede de comércio justo que não passa pelas multinacionais e ajuda os agricultores dos países em desenvolvimento. Porém, o senhor responde também a isso.

Porque essa também é uma fábula para crianças, uma fábula de final feliz, a ideia de que se muda o mundo por meio do consumo privado. A escola dos nossos filhos, o equilíbrio climático do planeta, a independência energética: em todas essas esferas a mudança não pode vir simplesmente de escolhas individuais de compras. É a admissão de uma derrota se nós nos retiramos para a esfera da ação privada – seja a do consumo "verde" e terceiro-mundista – e abdicamos do nosso papel na política.

O senhor denuncia uma destruição do tecido cívico.

É justamente o resultado da centralidade do consumo. Racionalmente, como consumidor, eu vou fazer as compras no hipermercado Wal-Mart porque ali tudo custa menos e é "made in China". Fazendo isso, eu colaboro com a destruição de um tecido social do pequeno comércio, do pequeno artesanato, e transformo as cidades norte-americanas em desertos cívicos.

A sua receita é paradoxal: retornar ao capitalismo das origens?

O verdadeiro paradoxo é que vivemos em um mundo onde quem tem dinheiro não tem mais necessidades reais, enquanto quem ainda tem enormes necessidades insatisfeitas não tem poder aquisitivo. Devemos levar o capitalismo à sua vocação primária: satisfazer as necessidades materiais onde elas existem. É aqui que há espaço para um novo crescimento, mais sadio e justo. Não é a ilusão de um capitalismo altruísta, mas sim o uso da mola do lucro ao serviço das demandas mais urgentes para a humanidade.

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