O Popular – Cidades – Dia 23/11/2009
Até outubro, TJ já havia gasto 16% a mais do que no ano passado inteiro. folha consome 30% do total
Deire Assis
O balanço financeiro do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) aponta para um crescimento de 40% nos gastos do Judiciário este ano. As despesas até outubro de 2009 já superaram em 16,5% o volume de todo o ano passado. Apenas o gasto mensal com a folha de pagamento representa cerca de 30% da despesa, embora o número de novos servidores nomeados tenha sido reduzido - o déficit atual de pessoal ainda é estimado em 2 mil servidores. O pagamento de diárias e a aquisição de bens e serviços, especialmente, contribuíram para aumentar o preço da conta.
Somente a participação de servidores do Tribunal de Justiça no 82º Encontro do Colégio Permanente de Presidentes de Tribunais de Justiça do Brasil - evento realizado no fim de semana na Pousada do Rio Quente - custará aos cofres do Judiciário goiano R$ 144.442,89. A despesa será destinada ao pagamento das locações de 40 apartamentos no resort - onde se hospedaram servidores de Goiás, ministros e conselheiros de Tribunais Superiores - e ao pagamento de serviços.
A despesa com o evento ainda inclui cerca de R$ 84 mil para o traslado dos participantes, segundo contrato firmado pelo órgão com a empresa que venceu a licitação para realizar o transporte dos desembargadores presidentes dos tribunais de outros Estados e suas comitivas de Goiânia até Rio Quente. No total, o encontro custará mais de R$ 228,4 mil.
Do contrato de transporte consta a locação de cinco vans tipo executiva, com no máximo dois anos de uso, equipadas com ar condicionado, som ambiente e poltronas individuais. O edital da concorrência exigiu que os cinco veículos permanecessem estacionados junto aos hotéis do resort até o retorno das comitivas a Goiânia, ontem, podendo ser utilizados para transportar os presidentes dos tribunais, seus cônjuges, acompanhantes e assessores às cidades vizinhas a Rio Quente, como Caldas Novas.
O contrato prevê ainda a locação de outros 15 carros executivos, que também poderiam ser usados para passeios. Faz parte do mesmo contrato a locação de dois micro-ônibus, com ar condicionado, poltronas individuais, TV, som ambiente, DVD, banheiro e geladeira elétrica para o retorno a Goiânia. Além dos veículos, o TJ contratou junto à empresa seis recepcionistas.
Diárias consumiram R$ 658 mil
O Sindicato dos Trabalhadores da Justiça em Goiás questiona os gastos do Poder Judiciário. “O Poder Judiciário dispõe de vans, carros e motoristas à disposição dos desembargadores. Não justifica o órgão gastar um valor tão alto pela prestação desse tipo de serviço”, argumenta o servidor Norval Raimundo Barbosa, diretor do sindicato. “Enquanto isso, demandas de décadas continuam esperando, como é o caso dos problemas enfrentados pelas varas de assistência judiciária - varas gratuitas “, exemplifica.
Recente reportagem publicada pelo POPULAR mostrou a situação de precariedade das Varas de Família, por exemplo, que funcionam em prédio vizinho ao fórum de Goiânia. Sem espaço sequer para guardar processos, os cartórios arquivam os volumes até mesmo nos banheiros, em prateleiras improvisadas pelos próprios funcionários a partir do uso de portas de madeira de outros armários.
Diárias
O que também onerou o caixa do Judiciário em 2009 foi o reajuste das diárias pagas aos servidores. Os valores das diárias pagas a juízes que se deslocam de suas comarcas a trabalho aumentaram em média 60% desde agosto.
Os valores foram reajustados pelo presidente do Tribunal de Justiça, Paulo Teles, porque, segundo o desembargador, as diárias estavam sem reajuste há 12 anos.
“Funcionários que participavam do programa Justiça Ativa faziam o trabalho como voluntários. Agora, todos recebem diárias”, afirma o desembargador. As diárias pagas aos juízes passaram de R$ 140 para R$ 222. As diárias pagas para deslocamento dos servidores dentro do Estado até outubro consumiram R$ 658.532,00.
Judiciário é o poder menos transparente
Para a assessora de Política Fiscal e Orçamentária do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), socióloga Eliana Magalhães Graça, não há entre os poderes brasileiros a preocupação em trabalhar com um orçamento ao alcance de todos. “Disponibilizar uma planilha de gastos na internet nem sempre significa transparência na gestão do dinheiro público. Isso não resolve nada se o conteúdo é ininteligível”, frisa a pesquisadora.
A socióloga coordenou o estudo Índice Latino-Americano de Transparência Orçamentária, divulgado semana passada. A pesquisa colheu dados de 12 países da América Latina, entre eles o Brasil, e concluiu que o Judiciário é o menos transparente entre os Poderes da República. “Dar transparência aos atos realizados significa partilhar poder. E é justamente isso que os dirigentes temem”, diz.
Eliana ressalta que muito mais do que divulgar dados sobre como é gasto o dinheiro público, os representantes dos Poderes devem garantir a efetiva participação e o controle social destes gastos.
TJ renova frota com quatro caminhonetes
Em outubro desse ano, o Tribunal de Justiça adquiriu quatro caminhonetes, que custaram R$ 324 mil - R$ 81 mil cada. Os veículos foram adquiridos para uso do presidente do TJ-GO, desembargador Paulo Teles, e do corregedor do órgão, desembargador Felipe Batista Cordeiro.
Assim que Paulo Teles assumiu a presidência do órgão, foi adquirida, para seu uso diário, uma Hilux SW4, 2009, estimada entre R$ 140 mil e R$ 168 mil - a diesel. “Nunca soubemos da necessidade do TJ em adquirir caminhonetes para o cumprimento de suas funções”, diz Norval Raimundo Barbosa, do Sindicato dos Trabalhadores da Justiça.
Segundo o servidor, o Judiciário dispõe de veículos para o transporte de cargas, como caminhões-baú. De acordo com o diretor, o acesso a informações detalhadas sobre os gastos efetuados pelo poder judiciário é uma dificuldade enfrentada pela entidade.
Paulo Teles disse ao POPULAR que os veículos foram adquiridos para “garantir a segurança do presidente e do corregedor do órgão.” Ele conta que recentemente visitou a comunidade Calunga e enfrentou grandes dificuldades. “Este meio de transporte é para este tipo de deslocamento”, diz. “Os veículos também podem ser usados para facilitar a montagem e desmontagem de móveis e para transportar processos ”, completa.
Celular via satélite custa R$ 1,8 mil por mês
Entre as despesas do Tribunal de Justiça de Goiás neste ano está a compra de um celular via satélite. Com plano de uso por um ano, o contrato é de R$ 22,1 mil - R$ 1,8 mil mensal. O aparelho é para uso do presidente do Tribunal, desembargador Paulo Teles.
“Já fiquei várias horas sem qualquer comunicação em viagens. Por isso autorizamos a compra de um aparelho de telefonia via satélite”, justifica o presidente do TJ-GO. Segundo o desembargador, três tentativas de licitar a compra de outros aparelhos foram frustradas por falta de interessado. Por isso, foi realizado pregão para a compra do telefone para servir a presidência.
O processo 3001016/2009, da Divisão de Serviços Gerais, refere-se à contratação de empresa para fornecimento de carimbos e suprimentos para o TJ no valor anual de R$ 35.784,00. Segundo o preço de mercado, o dinheiro seria suficiente para a compra de 4,7 mil carimbos de tamanho médio (R$ 6 cada).
O processo indica a aquisição de 3,2 mil carimbos. Um deles, de metal, niquelado, 5,7 centímetros, com numerador automático, retangular, autoentintado, com mola de seis algarismos, custou R$ 110. Em outro processo da Diretoria de Recursos Humanos, a diretoria-geral homologou pregão para compra um pacote de viagem, de sete dias, para Porto Seguro (BA), que custou R$ 4,7 mil. O beneficiado foi um servidor do tribunal e acompanhante, para participação na 10ª Semana do Servidor do Poder Judiciário.
Segundo Paulo Teles, a viagem realizada foi um prêmio recebido pelo funcionário e as custas foram pagas com o patrocínio da Caixa Econômica Federal. “O valor repassado era para este fim específico. Por isso todo o recurso foi usado para pagar a viagem.”
Análise de contas se limita a questões legais
A promotora Marlene Nunes Freitas, coordenadora do Centro de Apoio Operacional do Patrimônio Público do Ministério Público (MP) estadual, observa que, embora os tribunais de contas nos estados sejam responsáveis pela análise dos gastos do Judiciário, avaliação tem como alvo, basicamente, o cumprimento das exigências legais. “Na maioria das vezes, não há controle ou questionamento quanto ao mérito dos contratos”, acentua.
O especialista em administração pública e professor da Faculdade de Administração da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), José Ricardo Leal Lozano, ressalta que, não raro, o poder público utiliza-se de instrumentos legais, como compras sem licitação, argumentando de que tais gastos se justificam devido a sua urgência. “Se formos analisar cada um desses contratos, veremos que o critério da urgência não se faz presente”, denuncia o professor.