moldura geral foto historica 03

 

Capitu (D) com Luís Pires, que chegou ao Zoológico de Brasília para cruzar com as filhas dela. Mas quem o "estreou" foi a matriarca

 

Babuíno fêmea, famosa por ter traído seu companheiro à moda do romance Dom Casmurro, de Machado de Assis - por isso, ganhou o nome da personagem central - , chega aos 40 anos com uma novidade: pode estar esperando um filhote. A expectativa é grande no zoo. Nos últimos dois meses, Capitu está diferente: engordou, anda mais devagar, as tetas aumentaram e ela não quer mais saber de intimidades com Luís Pires. Prefere meditar

Ela se superou. Aliás, como ela, aquele lugar jamais terá outra. Quando se achava que nada mais poderia acontecer, exceto uma ou outra peraltice, a danada ressurge e pega todo mundo de surpresa. Nove anos depois de parir a última cria, eis que a madura e vivida Capitu - a macaca que revolucionou o Zoológico de Brasília e obrigou estudiosos a reverem tudo o que sabiam sobre primatas - parece estar grávida de novo.

"Há 90% de chance de ela estar grávida. A diferença é corporal e comportamental", atesta a curadora de mamíferos do Zoo, veterinária Clareana Sousa Gelinski, 29 anos. O tratador Ésio Garcês, 48, que vê o animal todos os dias, confirma: "Ela anda muito diferente. E não é doença, não. Tivemos até que reforçar a dieta dela". Para ter a certeza, apenas um exame de sangue ou ultrassom. "Em ambos os casos, são procedimentos muito invasivos. Isso pode estressá-la e causar danos à gestação", explica o diretor do zoo, Raul Gonzales, 54. "Vamos deixar que o tempo se encarregue de mostrar a gravidez."

Há dois meses, Capitu anda enjoada, engordou muito e as mamas estão visivelmente dilatadas. Pior: ardente como é, nunca negou fogo. Nem debaixo de chuva. Nem com a chegada da maturidade. Agora, não quer nem papo com Luís Pires, o rei do pedaço, o macaco que veio do Zoo de Bauru (SP) para garantir a perpetuação dos babuínos sagrados em terras candangas. Leia-se: chegou para copular com as duas filhinhas de Capitu, as ninfetas Hamuta e Fernanda, na flor da idade, cheias de amor para dar, piriguetes todas.

Bobagem. Tudo o que veterinários e biólogos imaginaram foi pro ralo. Desde que chegou, em 2007, o "rapazinho", ainda imberbe e inocente, foi logo recebido por Capitu, que lhe ensinou a arte da sedução. As macaquinhas virgens também se engraçaram pelo garoto. Capitu, sempre Capitu, botou pra quebrar. Disse, ralhando com as filhinhas (sim, caro leitor, à maneira dela, Capitu fala, parece gente) que ali quem mandaria seria ela. Dito e feito. E não dava folga para o macaquinho. Insinuava-se para ele, fazia caras e bocas, se enroscava, corria atrás. Coitado do ninfeto!

Ao menor sinal de que uma outra filha iria se aproximar de Luís Pires, Capitu corria pra cima. E foi assim durante dois anos. Até que, no carnaval no ano passado, ela finalmente conseguiu o que tanto desejava. Luís Pires empinou-se e chegou junto. Pimba! Capitu, há tempo sem fazer aquilo, viu estrelas. Ficou mais doida do que já é. Passou a sorrir, como nunca. Ficou menos irritadiça, parecia até outra macaca. A brabeza da matriarca foi para os ares.

Na semana seguinte, cheio de si, achando-se o tal, Luís Pires (nome dado em homenagem ao diretor do Zoo de Bauru, de onde veio) engraçou-se pelas filhinhas da macaca-mãe. E começou a persegui-las feito louco - quem mandou Capitu lhe ensinar o caminho do paraíso? Desesperada e também querendo mais, a dona do pedaço vigiava as filhas e Luís Pires com olhos de lince. A qualquer sinal de aproximação, ela se metia no meio.

Mas um dia, cansada da tarde de amor com o garanhãozinho, Capitu dormiu. Luís Pires, cheio de amor, no fogo da adolescência, não perdeu tempo. Correu atrás da filha mais velha da macaca, Hamuta (10 anos de idade animal e 20, comparada com a humana). Pimba de novo! A macaquinha virgem delirou. E ele, o agora rei da macacada, não se continha. Passou a cortejar mãe e filha. A confusão se estabeleceu. Só Fernanda, a mais mocinha, foi poupada, mas mesmo assim, vira e mexe, ele queria chegar junto. Até que, meses depois do carnaval, conseguiu. E agora era só pimba, pimba e muito pimba!

Marido e amante

Correu o ano de 2009. Mãe e duas filhas disputavam o amor de Luís Pires. Ele, coitado, teve que dar conta. Se virar em três. Um touro, esse macaco. E tudo isso sem Viagra. Bravo Luís! A vida na ilha onde o triângulo mora foi só amor. De vez em quando, estressada, Capitu rodava a baiana. E fechava o tempo. Colocava todo mundo pra correr. Em seguida, vinha cheia de delicadeza. Ela é assim: temperamental, debochada e enlouquecida. E agora, caro leitor, quarentona (tem 20 anos de vida animal e 40 na humana) pode tudo. Sabe tudo. Está na idade da loba.

Mas ela não chegou aqui à toa. Em 1998, Capitu rasgou todos os compêndios da literatura animal. Especialistas tiveram que aprender com ela que nada é definitivo. Nem fechado. E a história e os escândalos que protagonizou foram revelados com exclusividade nas páginas deste Correio. Naquela época, ela era casada com Otelo, um macaco um pouco mais velho. Vivia na sua ilhazinha e levava uma vida pacata. Já tinha as duas filhas e era apenas uma dona de casa exemplar. Boa mãe, cuidava das meninas com zelo extremado. E cuidava do marido ranzinza (sim, Otelo era o mau humor em pessoa), com esmero.

Superprotetora, estava sempre de olho na família. Mas, como nem tudo é pra sempre, eis que um dia chegou ao zoo um macaco jovem, porém de outra espécie - era um babuíno verde. Capitu e sua família são babuínos sagrados. Eliseu, nome dado ao novo morador, fora alojado numa ilha em frente. E a confusão começou. Sofrendo pelo desprezo de Otelo, que a tratava sem amor, Capitu começou a olhar para aquele jovem macaco do outro lado da ilha. Carente, ele também.

Otelo, irritado com as horas que Capitu passava sentada à beira do laguinho admirando o jovem macaco, começou a interferir: ao vê-la ali, arrastava-a do lugar. Era uma brigalhada sem fim. Porém, como Capitu nunca foi macaca de se render a nada, deu o salto de liberdade. Um belo dia, caiu naquele lago (macacos são arredios a água, chegam mesmo a ter medo), quase se afogou, mas insistiu e foi. Nadou, nadou e nadou. Esbaforida, acabada, dilacerada, chegou do outro lado. Eliseu, cheio de ternura, recebeu a destemida macaca com amores e afagos. Foi uma tarde de loucuras impublicáveis. Naquele dia, Eliseu virou amante de Capitu - o macaco que ela mais amou na vida.

Brigas e mortes

Na volta da ilha do amante, Otelo a esperou aos pontapés. Danada, ela não aguentou sem revidar. Deu-lhe também uns bons sopapos. As filhinhas gritavam. Barraco total. Do outro lado, correndo desembestado, Eliseu tentava salvar Capitu. No dia seguinte, Capitu se esquecia da surra e caía n'água novamente. Nadava ansiosa para o encontro do amante. Otelo, assistindo a tudo e sem saber nadar, urrava de ódio. Plena de prazer, Capitu voltava à sua ilha e a brigalhada recomeçava.

Isso durou meses, até que a direção do zoo começou a perceber que o amor de Capitu e Eliseu era forte demais. Tiveram receio de que, se ela engravidasse, nasceria um macaco híbrido - o que não seria bom para a perpetuação da espécie. Pânico no zoo. Solução? Para separar os dois, trouxeram uma babuína verde do Rio de Janeiro para ser a companheira de Eliseu. A macaca carioquinha, batizada de Jaqueline, chegou arrasando. Desembarcou em Brasília com pompa e circunstância. E puseram-na na ilha com Eliseu.

Ele? Nem tomou conhecimento dela. Só tinha olhos para Capitu, que continuava indo ao seu encontro. Jaqueline sobrou bonito na história. Enlouquecida, a então direção do zoo radicalizou. Afastou Eliseu de Capitu. Levaram-no para outra ilha, distante dali. Era impossível Capitu chegar tão longe. Resumo: Eliseu entrou em depressão. Recusou-se a comer. Enfraqueceu. E pegou uma pneumonia brutal. Naquele mesmo 1998, morreu, longe de sua amada. Capitu ficara viúva do amante.

Sem Eliseu, a irreverente Capitu teve que voltar aos costumes. Virou apenas mãe, mulher de Otelo e dona de casa. No ano seguinte, pegou mais uma barriga. Nasceu Tadeuzinho, o caçula, que hoje vive num zoo em São Paulo. Em 2002, Otelo, velho e abatido, morreu. Capitu ficara viúva de novo - desta vez do marido oficial. E se dedicou apenas à família. Nem de longe parecia aquela macaca que revolucionou todo o mundo animal. "Com respeito a todas as mulheres, ela me lembra muito as mulheres nordestinas. É sofredora e lutadora. Amava o amante, mas tinha o compromisso com o marido. Nunca cortou o vínculo com a família", repara Gonzales, diretor do Zoo.

Mas, como nada é definitivo, um jovenzinho macaco, louco pra aprender a arte de amar, chegou à ilha de Capitu. Ela estava comportada, todo mundo é testemunha disso. Tinha até se esquecido daquilo. Em instantes, a maluca voltou a ser o que sempre fora - arrebatadora e transgressora. Fisgou o macaquinho que veio para copular com suas filhinhas e deixou bem claro que, mesmo cansada de guerra, quem manda ali ainda é ela. E mudou, mais uma vez, o rumo desta história. Se tudo der certo, em junho, Capitu, aos 40 anos, quando tudo parecia ter acabado, parirá. Será o quarto filho.

Se Capitu não existisse, alguém teria que inventá-la. De tão sensacional, parece ficção. Mas não é. É quase gente. Há 11 anos, escrevo sobre a epopeia dessa macaca. Ela será sempre uma de minhas melhores histórias. Fonte: Jornal Correio Braziliense

endereco 00