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Elio Gaspari

O senador Demóstenes Torres (DEM) é uma espécie de líder parlamentar da oposição às cotas para estimular a entrada de negros nas universidades públicas. O principal argumento contra essa iniciativa contesta sua legalidade, e o caso esta no Supremo Tribunal Federal, onde realizaram-se audiências públicas destinadas a enriquecer o debate.

quarta-feira o senador Demóstenes foi ao STF, argumentou contra as cotas e disse o seguinte:

‘(Fala-se que) as negras foram estupradas no Brasil. (Fala-se que) a miscigenação deu-se no Brasil pelo estupro. Gilberto Freyre, que hoje é renegado, mostra que isso se deu de forma muito mais consensual’.

O senador precisa definir o que vem a ser “forma muito mais consensual” numa relação sexual entre um homem e uma mulher que, pela lei, podia ser açoitada, vendida e até mesmo separada dos filhos.

Gilberto Freyre escreveu o seguinte: “Não há escravidão sem depravação sexual. É da essência mesma do regime”.
“O que a negra da senzala fez foi facilitar a depravação com sua docilidade de escrava: abrindo as pernas ao primeiro desejo do sinhô-moço. Desejo, não: ordem.”

“Não eram as negras que iam esfregar-se pelas pernas dos adolescentes louros: estes é que no Sul dos Estados Unidos, como nos engenhos de cana do Brasil os filhos dos senhores, criavam-se desde pequenos para garanhões. (...) Imagine-se um país com os meninos armados de faca de ponta! Pois foi assim o Brasil do tempo da escravidão.”

Demóstenes Torres disse mais:

“Todos nós sabemos que a África subsaariana forneceu escravos para o mundo antigo, para o mundo islâmico, para a Europa e para a América. Lamentavelmente. Não deveriam ter chegado aqui na condição de escravos. Mas chegaram. (...) Até principio do século 20, o escravo era o principal item de exportação da economia africana.”

Nós, que, cara-pálida? Ao longo de três séculos, algo entre nove milhões e 12 milhões de africanos foram tirados de suas terras e trazidos para a América. O tráfico negreiro foi um empreendimento das metrópoles européias e de suas colônias americanas. Se a instituição fosse africana, os filhos brasileiros de escravos seriam trabalhadores livres.

No inicio do século 20 os escravos não eram o principal “item de exportação da economia africana”. Àquela altura, o tráfico tornara-se economicamente irrelevante. Ademais, não existia “economia africana”, pois o continente fora partilhado pelas potências européias. Demóstenes Torres estudou História com o professor de contabilidade de seu ex-correligionário José Roberto Arruda. O senador exibiu um pedaço do nível intelectual mobilizado no combate às cotas.

* Publicado na Coluna do Elio Gaspari, no Jornal O Popular, no domingo, 7 de março de 2010, página 12 – Política.

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