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Escolaridade e engajamento em movimentos sociais não são fator de proteção

Danielle Santos
 
O preconceito ainda está marcado na pele de dona Joana (nome fictício), de 57 anos. Acostumada a lidar com a enxada de sol a sol desde cedo, a moradora de Arapiraca (AL) enfrentou rotineiramente uma realidade ainda mais dura: a da violência doméstica. “Já apanhei de facão, de corda, de pau. Às vezes, não sabia por que estava acontecendo aquilo, mas não tinha como pedir ajuda”, lamenta. Ela afirma que só conseguiu enxergar um lampejo de esperança após relatar os abusos a membros da igreja que frequentava. “Foi importante o acolhimento das pessoas porque a gente sente vergonha e não sabe até que ponto pode levar os problemas de casa para a rua.” Divorciada, hoje Joana é dona de sua própria vida.

Histórias como a de dona Joana são corriqueiras entre as mulheres que vivem no campo. De acordo com um levantamento da Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (Contag), 55,2% delas já sofreram algum tipo de violência — psicológica, física ou sexual. Dessas, 63,6% foram agredidas pelo próprio marido. Realizada em 2008, a pesquisa reuniu depoimentos de 529 mulheres de todo país, levando em consideração o nível de escolaridade, o grau de participação social e a situação socioeconômica das entrevistadas.

“O que nos preocupa é saber que, desse grupo, todas têm articulação com entidades sociais. São pessoas bem instruídas e que nem por isso deixam de sofrer com o descaso e a humilhação. Imagine aquelas que não têm esse acesso”, lamenta a secretária de Mulheres Trabalhadoras Rurais da Contag, Carmen Foro. A sondagem confirma que 95,4% das mulheres ouvidas têm alguma atuação sindical. Além disso, a grande maioria mantém vínculos com igrejas, associações comunitárias, cooperativas ou partidos políticos.

Sem garantias

Um dado estarrecedor evidenciado pelo estudo é que a independência financeira da mulher parece não ser uma variável relevante no quadro de violência. Das entrevistas, 81,5% não dependiam do marido para sobreviver, sendo que 61,2% se declararam chefes de família. Os números permitem supor que a maioria trata as agressões como problema de foro íntimo, que não deve ultrapassar a porta de casa. Jacinta (nome fictício), 33 anos, pensava assim. Apanhava do companheiro com quem vivia há 12 anos sem nunca ter confidenciado as agruras nem à sua mãe. Até o dia em que teve coragem de se separar e voltar à casa dos pais, localizada em outro município. “Sempre cuidei da casa e das coisas, então, teve uma hora que não tive medo de abandonar aquela vida para começar tudo de novo. Consegui arrumar outro emprego e tocar minha vida”, conta.

Dentre as formas de violência listadas pela pesquisa, a psicológica foi a responsável pelo maior número de vítimas. Cerca de 73,4% se sentem reprimidas, insultadas, humilhadas pelo companheiro ou por algum parente. Em seguida vem a violência física, sofrida por 51,1% das mulheres.

Número de denúncias de violência contra a mulher aumenta ano após ano, mas ainda enfrenta barreiras

Danielle Santos

De acordo com a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), apesar das dificuldades encontradas na zona rural, o número de denúncias pela central de atendimento criada pelo governo vem crescendo continuamente. “Em 2008, o número de mulheres que fizeram denúncias pelo número 180 chegou a 966. Em 2009, esse número aumentou e, hoje, as mulheres rurais representam 4% das denúncias. Ainda é pouco, mas estamos avançando contra a cultura machista, sexista e patriarcal”, afirma Ane Cruz, coordenadora de Ações Preventivas e Garantia de Direitos da SPM. Apesar de a pesquisa da Contag atestar que 35,9% as mulheres usaram esse mecanismo de ajuda, a maioria delas — 60,1% — declarou desconhecer a existência de serviços de prevenção e atendimento em situação de violência.

Segundo Ane, o governo ainda não tem recursos financeiros específicos para combater a violência contra a mulher no campo, mas a ideia é trabalhar com as entidades sociais para a criação de uma política própria de gênero até agosto próximo. “É notório que ainda não existam dados concretos sobre o assunto. Por isso mesmo, estamos buscando parcerias junto à sociedade e aos estados e municípios na busca de atender as demandas”, afirma.

Carmen Foro recorda que a falta de logística oferecida pelo governo federal não contribui para a redução dos casos de violência. “O Acre, por exemplo, é um estado que comporta 23 municípios, mas que só tem duas delegacias especializadas. E se a gente analisar as condições de funcionamento, equipamentos e funcionários necessários, a gente fica mais assustada ainda”, critica.

Ainda de acordo com a pesquisa da Contag, cerca de 22,8% das mulheres entrevistadas não tomam nenhuma providência a respeito dos abusos sofridos pelo sexo oposto. Do total, apenas 3,5% abrem inquérito policial. “Nossa luta tem dois grande eixos, que são o acesso às políticas públicas que favoreçam a autonomia feminina e o acesso ao crédito e à terra”, completa a líder sindical.

Em 2009, das denúncias feitas através da central telefônica 180, incluindo mulheres residentes em áreas urbanas, a SPM registrou 401.729 atendimentos — um aumento de 49% em relação ao ano anterior. Três estados da região Sudeste apareceram entre os com maior número de casos. O campeão foi São Paulo, com 119.133 registros. Em segundo, ficou o Rio de Janeiro com 52.246 atendimentos, seguido de Minas Gerais, com 28.092 ligações. Fonte: Correiobraziliense.com.br

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