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O Brasil é um país rico – a quinta maior economia do mundo -, mas a sua população é pobre. A população do campo é quem reflete melhor a condição de desigualdade social no país, que ostenta o título de o segundo mais desigual do mundo. Para chegar a essa conclusão, os palestrantes da audiência pública que discutiu a violência no campo e a tentativa de criminalização dos movimentos sociais, nesta quarta-feira (14), na Comissão de Legislação Participativa da Câmara, apresentaram dados e números.

O professor Sérgio Sauer, da Universidade de Brasília (UnB), disse que os dados apurados pelo último Censo Agropecuário confirma que o Brasil possui a maior concentração fundiária do mundo e mostra a exclusão social e marginalização das populações do campo. Ele considera “estarrecedores” os dados que provam que quase 75% da população do campo é analfabeta, portanto não tem acesso a um direito básico que é a educação.

“Esses dados insossos dão legitimidade ao MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra) e movimento sociais”, afirma Sauer, que define como criminosa a tentativa de tentar criminalizar o MST. “A criminalização é quando eu tento imputar a outrem um crime. Estão atribuindo a pessoas ou grupos ações criminosas que esse grupo não cometeu”, alerta.

João Pedro Stédile, representante da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), fez um histórico da luta pela reforma agrária, destacando que foram perdidas cinco oportunidades para que o país acompanhasse o exemplo dos países industrializados, que só se desenvolveram depois de fazerem a reforma agrária.

O líder camponês também apresentou sugestões para que o governo promovesse a reforma agrária: recuperando os latifúndios que estão com grandes dívidas, portanto falidos; as terras griladas e que possuem trabalho escravo e as terras que estão nas mãos de empresas estrangeiras. “Somente com essas terras, segundo Stédile, já daria para assentar mais de um milhão de famílias.”

Morte dos trabalhadores

Os palestrantes, incluindo os deputados Paulo Pimenta (PT-RS), presidente da Comissão, e o Dr. Rosinha (PT-PR), coordenador nacional da Frente Parlamentar da Terra, destacaram a realização do debate como uma tradição da Câmara, que lembra o massacre de Eldorado de Carajás, ocorrido em 17 de abril de 1996, quando o Brasil assistiu ao confronto entre 1.500 lavradores, que estavam acampados na região, e a Polícia Militar, com um saldo de 19 lavradores assassinados e centenas de sequelados.

Paulo Pimenta lembra que dos 155 policiais militares acusados nesse episódio, só dois foram condenados e cumprem a pena em liberdade.

Além do episódio de Eldorado dos Carajás, outros casos de assassinato de lideranças sindicais e religiosas que lutavam pela reforma agrária, como do sindicalista Chico Mendes, do Padre Josimo Tavares, e mais recentemente da missionária Dorothy Stang, repercutiram no país. Conforme dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), de 1985 a 2009 ocorreram 1.546 mortes no campo. No ano passado, foram 25.

Pobres sem direito

Para o professor Sauer, está havendo uma diminuição dos crimes e um aumento na campanha pela criminalização dos movimentos sociais. Ele explica que isso ocorre porque, no caso das mortes, cria-se uma empatia entre a vítima e a sociedade, enquanto o processo de criminalização tira a legitimidade das lutas sociais.

Mas, segundo ele, o processo de criminalização explicita também uma disputa por recursos públicos. Ele destaca que a elite brasileira sempre se apropriou dos recursos públicos, não só por corrupção, mas por incentivos fiscais etc. Entre as acusações que os ruralistas fazem contra o MST a que se destaca é que o movimento estaria usando recursos públicos para invadir terras, lembra Sauer.

“No passado, a população empobrecida não tinha acesso aos recursos públicos; hoje, por conquistas sociais, estão acessando e a elite quer interromper esse processo porque considera que ela não tem esse direito”, resume o professor.

Stédile disse que, aproveitando as palavras do professor Sauer, o Brasil enfrenta três problemas gravíssimos - a pobreza injustificada, a desigualdade social e a exclusão do acesso ao conhecimento. Segundo ele, todas as sociedades chegaram à conclusão de que esses problemas são resultado da concentração da terra.

“Nós já identificamos que se não desconcentramos a terra, que é um bem da natureza, não é fruto do trabalho, dificilmente se consegue resolver os problemas”, afirmou, acrescentando que “no Brasil existe o agravante do País ter sido o que sofreu a escravidão por mais tempo – durante 400 anos, o que criou raízes que existem até hoje na propriedade da terra, no tratar a natureza e os excluídos.” 

Oportunidades perdidas

Ele lamenta que o Brasil tenha perdido cinco oportunidades de fazer a reforma agrária - desde a época da abolição da escravatura, quando as terras deveriam ter sido divididas entre os escravos libertos até a mais recente, proposta por Celso Furtado durante o governo de redemocratização do País, no Governo de José Sarney.  

Em função disso, ele acredita que os problemas se acumularam e a reforma agrária que deve ser feita hoje, no mundo moderno, integrado internacional, exige novo modelo. “Os problemas já não se resolvem só distribuindo terra, para resolver as mazelas históricas, tem que combinar distribuição da terra com instalação de agroindústrias e educação para os trabalhadores do campo.

Stédile sugere que o governo faça a reforma agrária começando pelos grandes latifúndios, sem afetar as médias e grandes propriedades. E estimule a agroindústria para empoderar agricultor e aumentar renda. Para isso, é preciso enfrentar as grandes empresas transnacionais, lembrando que o setor de leite no Brasil é explorado por apenas três indústrias estrangeiras - Nestlé, Batavo e Parmalat.

Com as propostas na ponta da língua, o líder camponês disse ainda que é preciso mudar as técnicas agrícolas – sem veneno e sem máquina. Ele destaca que os dois elementos hoje existentes na agricultura brasileira pode render muito dinheiro, mas é incompatível com a natureza.

Números da desigualdade

Os dados do Censo Agropecuário dão conta de que, no Brasil, mais da metade da população detém menos de 3% das terras e 46 mil pessoas detém quase metade das terras. A estrutura fundiária do Brasil é a mesmo desde o Brasil império. A luta pela terra dos últimos 25 anos e a política de assentamento ainda não foram suficientes para alterar a concentração de terra no Brasil. “Isso justifica a existência do MST e movimentos sociais”, enfatiza o professor Sauer.

Os latifundiários com terra acima de dois mil hectares, que são apenas 15 mil fazendeiros, detêm 98 milhões de hectares.

Já os estabelecimentos rurais de menos de 10 hectares ocupam menos de 2,7% da área.

Os estabelecimentos de mais de mil hectares, que correspondem a apenas 0,91% dos proprietários (menos de 50 mil), concentram mais de 43% da área agricultáveis (cerca de 146 milhões de hectares).

As desigualdades se estendem aos números sobre ocupação da mão de obra no campo. A agricultura familiar, que detém cerca de 24% das terras, ocupa 75% dos trabalhadores do campo. O setor patronal, que tem quase 75% das terras, ocupa apenas 25% da mão de obra. Fonte: Sítio O vermelho - Da sucursal de Brasília - Márcia Xavier

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