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O Popular - Política - Dia 22/11/2009

De 985 projetos dos parlamentar apresentados na casa, quase 50% foram considerados inconstitucionais

Núbia Lôbo

Quase 50% dos projetos apresentados pelos deputados estaduais nesta legislatura foram rejeitados pela Procuradoria da Assembleia porque são inconstitucionais ou repetem assuntos que já são objeto de lei. De acordo com levantamento feito pela Casa a pedido do POPULAR, das 985 propostas de iniciativa dos parlamentares que tramitaram na Casa entre 2007 e 2009, 467 foram arquivadas.

Este foi um dos pontos analisados pelo cientista político Gustavo de Faria Lopes, professor de Sociologia da PUC-Goiás, que fez um estudo breve dos projetos encaminhados à reportagem pela Assembleia com base na sistemática adotada em sua dissertação de mestrado na Universidade Federal de Goiás (UFG).

Além da perda de tempo, papel e esforço com os projetos rejeitados – em uma instituição que custou mais de R$ 64 milhões para os cofres públicos no ano passado –, o especialista destacou também a falta de prerrogativas e as finalidades político-eleitoreiras na atividade parlamentar.

O número de projetos inconstitucionais que vão para a pauta do Legislativo goiano pode ser considerado alto quando comparado com a Câmara dos Deputados. Reportagem da Folha de S. Paulo mostrou que, no mesmo período, os 513 deputados federais (na Assembleia de Goiás são 41 parlamentares) apresentaram apenas 257 propostas que foram rejeitadas – o que já é um recorde naquela Casa.

Esvaziamento

Em seus discursos, é comum deputados reclamarem que a Casa está esvaziada porque eles não podem apresentar projeto que gere despesa para o Executivo. Uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), que abre esta possibilidade ao deputado, foi aprovada neste mês para vigorar em 2011. Entretanto, uma análise criteriosa dos projetos parlamentares rejeitados, agrupando em categorias aqueles que possuem características comuns, mostra que o principal problema está na invasão administrativa do Executivo e não na área econômico-financeira.

“Em um primeiro momento, a análise dos projetos sugere o despreparo do deputado e sua falta de conhecimento sobre as regras da atividade do legislador. Mas pode revelar ainda uma estratégia política egoísta do parlamentar para colocar seu nome em evidência”, pondera Gustavo.

O professor lembra que “encher a pauta de projetos vazios e inconstitucionais” poderia ser uma tática de oposição para atrapalhar a pauta do governo na Casa. Embora esta legislatura tenha uma oposição menos ofensiva, formada pelas bancadas do PMDB, PT e PSC, o número de projetos rejeitados destes partidos representa apenas 25% do total.

No quadro de projetos rejeitados, a bancada do PTB, que tem apenas três deputados, apresenta maior número do que a bancada do PMDB, que possui dez representantes, e encosta no PSDB, também com dez parlamentares. Isso porque o campeão de propostas arquivadas é Marlúcio Pereira, com 68.

No geral, são projetos polêmicos e questionáveis como um que sugere implementar matéria extracurricular do Holocausto Nazista nas escolas estaduais. Outro concede declaração de utilidade pública a uma categoria profissional. Tem ainda proposta que invade a área da Medicina e classifica doença. Entre os projetos que chamaram a atenção de Gustavo Faria está a tentativa de obrigar as escolas a estamparem a frase “Não use drogas” em seus uniformes.

“E por que não colocar outra frase como ‘Não mate?’ É tão importante quanto”, avalia o professor. Há também proposta para punir “todo tipo de discriminação” e ainda para criar um programa por meio do qual bombeiros, policiais militares e civis seriam beneficiados com uma casa doada com dinheiro público. “Por que doar casa para o policial e não para o professor?”, questiona o cientista político.

Acordo

O presidente da Assembleia, Helder Valin (PSDB), explica que existe um acordo entre os deputados da atual legislatura para que nenhum projeto com parecer contrário da procuradoria da Casa seja colocado em pauta no plenário. “Graças a isso, o Estado tem hoje uma Assembleia que não aprovou uma lei sequer que seja inconstitucional”, comemora Valin.

Sobre o número de projetos inconstitucionais apresentados pelos deputados nos últimos três anos – 467 ou 47,5% do total –, Valin diz que não considera o número alto e levanta a hipótese da contagem na Câmara dos Deputados – onde foram 254 projetos inconstitucionais no mesmo período – ter sido feita com critérios diferentes da Assembleia de Goiás. O tucano diz ainda que, em alguns casos, o deputado sabe da inconstitucionalidade de um determinado projeto mas o apresenta para fomentar o debate.

“Eu mesmo tive um projeto vetado pelo governador que tratava da questão ambiental, sobre a metragem que deve ser reservada em torno de lagos e represas para preservação. Eu apresentei para levantar o debate nos órgãos estaduais. Mesmo vetado, alcancei meu objetivo”, conta Valin.

Sobre o número de projetos com temas e objetivos repetidos – apresentados, em pelo menos um caso, pelo mesmo deputado –, Valin diz que será implantado na Casa um sistema de pesquisa para evitar a repetição. O presidente explica que atualmente não é possível o parlamentar pesquisar o que foi objeto de discussão nos anos anteriores. “Em março (do ano que vem), vamos digitalizar todo o acervo escrito dos últimos 20 anos e torná-lo disponível com sistema de busca”, afirma.

Homenagens e queda na produtividade

Na análise dos projetos aprovados pela atual legislatura, mais uma vez se constata a prioridade que a Assembleia dá às homenagens. Foram 373 projetos (72%) que trataram de título de cidadania, declaração de utilidade pública (necessária para o parlamentar doar dinheiro público às entidades por meio de emendas ao orçamento), denominação de locais públicos e calendário oficial. Em reportagem publicada no domingo passado, O POPULAR mostrou que este tipo de proposta ocupou mais da metade da pauta prévia da Casa no mês passado.

A queda da produção parlamentar neste ano, objeto de várias reportagens nos últimos meses mostrando a ausência de deputados em plenário, também pode ser confirmada. Em 2007, a Assembleia aprovou 342 projetos, dos quais 64 foram apresentados pelo governo. Neste ano, apenas 203 propostas tramitaram nos primeiros dez meses (faltando um mês e meio apenas para o encerramento das atividades), das quais 111 são de autoria do Executivo. Se considerarmos apenas os projetos apresentados pelos deputados, foram 268 em 2007 e somente 82 neste ano.

Dos projetos aprovados pelos deputados em toda a legislatura, restaram 27% para políticas públicas, embora das 145 propostas, 33 tenham sido apensadas a outras apresentadas anteriormente porque tratavam do mesmo tema. O deputado Marlúcio Pereira (PTB), que aparece com maior número de projetos rejeitados pela Procuradoria da Casa, também aprovou o maior número de homenagens.

Álvaro Guimarães (PR) teve três projetos aprovados em 2007 – dois deles incluíram festas de Itumbiara (reduto eleitoral do deputado) no calendário oficial do Estado e outro concedeu declaração de utilidade pública a uma entidade. No mesmo ano, Cláudio Meirelles (PR) mostrou envolvimento com as festas realizadas em Goiás – dos nove projetos aprovados, cinco foram usados para incluir no calendário oficial goiano o Carnagoiânia, Refeillon Fest Folia, Caldas Fest Folia, Babado Elétrico e Balada Sertaneja.

Nas leis que acrescentam datas ao calendário oficial do Estado, deputados garantiram à população goiana a oportunidade de comemorar o Dia Estadual de Defesa à Vida, Dia Estadual do Antigo Mobilismo Goiano, Dia de Atenção à Saúde Masculina, Dia do Sepultador (na véspera do Dia de Finados – 2 de novembro), Dia da Criança no Rádio e na TV, entre outros. O Dia Internacional da Mulher foi reforçado pelo parlamento com a aprovação da Semana da Mulher e foi aprovada ainda a Semana de Conscientização do Planejamento Familiar.

“A maioria dos projetos que contém êxito no parlamento não tem relevância à sociedade”, avalia o cientista político Gustavo Faria.

Cientista político ressalta prejuízo à democracia

A falta de prerrogativas e de relevância no trabalho da Assembleia Legislativa, apontada no estudo realizado pelo cientista político Gustavo Faria Lopes a pedido do POPULAR, ameaça a democracia e mostra o desequilíbrio de forças entre Legislativo e Executivo. O especialista aponta para uma deslegitimação do Poder – da instituição político-democrática –, o que afeta o seio da democracia.

“O problema mais grave é que chega-se num ponto em que a população se pergunta para que realmente serve a Assembleia. Mais do que um conjunto de normas, a instituição é um conjunto de pessoas que estão transformando o Legislativo, ao longo do tempo, em uma mera extensão do Poder Executivo”, alerta Gustavo.

A ausência de poder para a Assembleia instituir políticas públicas que melhorem a qualidade de vida da população é fato, amarrado na Constituição do Estado que dá exclusividade para o Executivo legislar sobre matérias das áreas econômica, financeira, orçamentária e administrativa.

Mas a apatia do Legislativo não justifica a irrelevância de parte das suas atividades. Em muitos projetos aprovados na atual legislatura, encontram-se propostas importantes para a sociedade, que geram ônus para o Executivo, que invadem a área administrativa e regulam serviços.

Em clara visão pessimista sobre o cenário político-institucional do Estado, Gustavo lembra que o desequilíbrio de forças entre os poderes e o prejuízo à democracia no Estado pode atrapalhar inclusive os negócios que o governo busca no exterior. “Os outros países procuram saber como são feitas as nossas leis, em que grau estão as nossas instituições”, explica o cientista político.

Reforma

Para o especialista, a solução estaria em uma reforma política sustentada pela pressão dos eleitores – e da sociedade em geral – criando mecanismos de participação, informação e cobrança do equilíbrio entre Legislativo e Executivo.

“Mas é um problema amarrado em outro problema, porque a sociedade desconhece esses fatos. As pessoas estão mais preocupadas em consumir e se realizarem em determinadas mercadorias. A cultura de massa esvazia o debate político”, avalia Gustavo.

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