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"Quando perdeu aquela eleição para Fernando Collor, Lula percebeu que não tinha o apoio das camadas mais baixas da população. E passou a perseguir esse apoio de forma obsessiva"

Quem leu o noticiário da semana passada a respeito do recente artigo que André Singer escreveu sobre Lula deve ter ficado com a impressão de que o ex-porta-voz da Presidência da República resolveu cair de pau em cima do seu antigo chefe. As matérias dos jornalões citavam apenas que, na visão de Singer, o fenômeno do "lulismo" tinha raízes conservadoras e despolitizantes. Ou seja: passavam a impressão de que Singer considerava que Lula ia se transformando em mais um ditador populista latino-americano. Aviso aos navegantes desses complexos mares brasileiros: não é nada disso.

Ainda que as afirmações acima sobre o lulismo constem de fato do artigo de Singer, elas estão longe de levar à conclusão de que Lula adota uma postura autoritária, ou queira resvalar para isso, na linha de um Hugo Chávez ou coisa que o valha. O que Singer, que além de ter sido o primeiro porta-voz do governo Lula é um respeitado cientista político, tenta nesse artigo é entender como Lula conseguiu se tornar esse impressionante fenômeno que é. Como é que ele conseguiu adicionar à imagem de ícone da esquerda que ele já tinha um importante bloco de eleitores mais conservadores.

Eleitores que ficam na camada social mais baixa da população, uma parcela que Singer chama de "subproletariado", uma camada politicamente desorganizada, avessa a idéias revolucionárias, mas simpática - até porque são os principais beneficiários disso - a transformações sociais que aumentem o seu poder de compra, mas sem ameaçar a ordem estabelecida. O que Singer tenta, no seu artigo Raízes sociais e ideológicas do lulismo, publicado na última edição da revista Novos Estudos, do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), é mostrar como Lula, no seu governo, agregou esse grupo e tornou-o a sua principal base de sustentação de forma democrática, com ações políticas e de governo. E não com gracejos autoritários, como alguns textos do noticiário publicado sobre o artigo fazem crer.

Ainda que algumas premissas usadas por Singer no artigo sejam questionadas por alguns (e vamos falar mais sobre isso abaixo), o que ele propõe é que Lula produziu na eleição de 2006 um realinhamento eleitoral, que pode mudar a lógica da correlação das forças políticas no país daqui pra frente. Ele verifica que o discurso tradicional de esquerda que o PT fazia quando não era governo provocava repulsa na parcela mais pobre do eleitorado. Esse subproletariado, conservador na sua essência, associava o discurso petista - recheado de palavras de ordem sobre "greve", "passeatas", "manifestações" - a "bagunça". E, assim, rejeitava Lula e o PT.

Na verdade, o resultado que Singer observa é algo que, de certa forma, ele mesmo ajudou a produzir. Antes da eleição de 2002, ele publicou Esquerda e Direita no Eleitorado Brasileiro. Nesse livro, Singer conclui que o eleitor brasileiro é majoritariamente conservador, e que os partidos de esquerda teriam dificuldade em compreender os anseios populares e, por isso, acabavam derrotados nas eleições. Publicado em 2000, esse livro calou fundo no PT, no processo de transformação que foi produzido para fazer com que Lula perdesse a cara amarrada de líder sindical enfezado e ganhasse o semblante simpático do "Lulinha Paz e Amor".

Como Singer observa em seu artigo, o próprio Lula já vinha percebendo os problemas do seu discurso eleitoral desde 1989. Quando perdeu aquela eleição para Fernando Collor, Lula percebeu que não tinha o apoio das camadas mais baixas da população. E passou a perseguir esse apoio de forma obsessiva.  "A minha briga é sempre essa: atingir o segmento da sociedade que ganha salário mínimo", disse, à época.

Natureza do lulismo

Na avaliação de André Singer, Lula só conseguiu alcançar isso quando chegou ao poder. Aplicando o que seria a natureza do lulismo: a construção de um Estado suficientemente forte para diminuir a desigualdade social, mas sem ameaçar a ordem estabelecida. Ou seja: Lula incomoda a esquerda tradicional porque no discurso e na prática do seu governo não há espaço para mudar o perfil econômico e político do Brasil. Continuaremos capitalistas. Incomoda ao próprio PT que gostaria de ver o governo mais à esquerda do que ele se coloca.

A discussão agora em torno do Plano Nacional de Direitos Humanos é um exemplo disso: da tentativa do PT de por uma cunha para forçar a guinada que Lula, por si, não está disposto a dar. Ao mesmo tempo, incomoda aos setores conservadores porque promove mudanças sociais de fato, ao adotar uma filosofia de Estado indutor do crescimento, e não apenas regulador, como seria no modelo liberal tradicional (essa, a sua maior diferença com relação ao governo Fernando Henrique).

Ao produzir essas mudanças, Lula trouxe transformações reais para a vida da parcela mais pobre do eleitorado. Como se trata de uma parcela socialmente e politicamente desorganizada, os efeitos eleitorais disso não foram sentidos antes da abertura das urnas de 2006. Foi uma mudança silenciosa. Singer anota que, dez meses antes da reeleição, a revista Veja - na onda da reação negativa do episódio do mensalão sobre o eleitorado tradicional de esquerda, mais esclarecido - publicava que Lula seria derrotado porque perdera 40% do apoio obtido em 2002. O que na ocasião não se notara, por ser um movimento silencioso, é que essa perda seria compensada pela agregação a Lula de um eleitorado das camadas mais baixas que até então nunca votara nele.

"Lula foi eleito, sobretudo, pelo apoio que teve no segmento de baixíssima renda, enquanto Alckmin contou, além do voto dos mais ricos, com certa sustentação de eleitores de classe média baixa. Entre os eleitores de baixíssima renda, Lula teve sobre Alckmin uma vantagem de 26 pontos percentuais", anota Singer.

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