Sinjufego
Considerações pós-debate do sistema remuneratório: a necessidade da construção de uma unidade plural
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Como sair do discurso de que a categoria encontra-se desunida, sem norte, e que o governo, parlamentares e a própria cúpula do judiciário se aproveitam disto para “empurrar com a barriga” o almejado PCS?
Penso que tudo passa por um conceito básico e pobre que todos já ouvimos e que insiste em permear a formação de opinião dos colegas. O que significa vivermos em um regime democrático?
Aqui não vou me aprofundar em todas as nuances históricas, origem etimológica, conceitos filosóficos, etc. Ao contrário, tentarei ser o mais vulgar possível.
Vejo a necessidade de avançarmos em algo que considero mais pontual, mas essencial. Por básico que pareça o contrário, os colegas insistem em dizer que a ausência quanto à unidade do modelo remuneratório é um obstáculo, quase intransponível, à aprovação do PCS.
Isto é o mesmo que dizer que temos uma contradição entre propostas, e que a contradição inviabiliza a unidade. É uma falsa aplicação da lógica básica “se A, então não B”, ao desenvolvimento do pensamento plural.
Extraio isto da pergunta efetuada por um colega, durante a realização do debate: “Afinal, qual é a postura do sindicato quanto ao modelo remuneratório? A consulta que o sindicato irá promover tem caráter vinculante?”
A resposta à indagação provocou uma espécie de “saia justa” entre o Presidente do Sinjufego e o Diretor Jurídico da entidade.
O presidente afirmou que o sindicato defendia o que havia sido deliberado na plenária da Fenajufe, isto é: não aceita subsídio, e que a decisão quanto ao caráter vinculativo da consulta dependeria de deliberação posterior da diretoria ou de assembleia.
O diretor jurídico, por sua vez, afirmou que ao deliberar por consultar apenas os filiados, a diretoria da entidade o fez para dar caráter vinculativo à consulta.
Com o devido respeito, penso que meus colegas de diretoria se prenderam em um argumento antigo: o da não admissão da contradição.
O regime democrático não é um regime que não admite contradições. O regime democrático é um regime que aceita e acomoda as contradições.
O contrário seria admitir que a democracia equivaleria à ditadura da maioria. Isto só é possível dentro de um conceito meramente formal do que seja democracia (a vontade da maioria).
Ora, quer dizer então que se a consulta revelar que a maioria dos filiados apresenta simpatia pelo modelo atual de remuneração os “subsidianos” deverão aceitar a derrota e recolher-se à sua insignificância?
Ou, a meu ver, mais grave, deverão empunhar a bandeira de que não aceitam receber por subsídio?
O mesmo raciocínio vale para a posição inversa. A indagação que resta é: é isto que acontece em uma democracia?
Surge uma posição contrária e esta é extirpada do sistema?
Não colegas, isto é violência à liberdade de pensamento e expressão.
Democracia não envolve apenas a vontade da maioria. Democracia envolve também: o respeito às regras do jogo; o dever de informação; o pluralismo; a observância dos direitos fundamentais de todos, inclusive de uma minoria; “o tratamento de todos com igual respeito e consideração”, como define Dworkin.
Lembro-me no ano passado, ao final do primeiro turno das eleições presidenciais, que em uma coluna de jornal, um integrante de um partido de oposição observou que ao não eleger a candidata do governo em primeiro turno, mais de 50% das pessoas deliberaram por não referendar aquela opção de governo. Ou seja, mais de 50% dos votos válidos convergiram, em um primeiro momento, por não aceitar a hoje presidente eleita.
Esta não é uma observação banal. Significa que mesmo tendo com a eleição de uma presidente eleita, parte mais do que considerável da população rejeitou esta opção. Esta parcela da sociedade não deve recolher-se à sua insignificância, ao contrário, esta minoria é significativa e deve ser respeitada. É graças a esta parcela da população que hoje está vindo à tona uma série de escândalos envolvendo ministros de Estado.
Além disto, forma-se um bloco de oposição com chances reais de assumir o comando do País em uma futura eleição presidencial, com participação ativa em todas as tomadas de decisão no Congresso Nacional, e vitórias pontuais em vários aspectos da vida pública. Tem amplo poder fiscalizatório. Pode instaurar as CPI (com cerca de 1/3 das assinaturas dos membros das casas legislativas); e pode também impedir a aprovação de emendas à constituição, devido ao quórum qualificado (3/5 em dois turno em cada uma das casas), enfim, são exemplos de instrumentos, ao mesmo tempo, democráticos e antimajoritários, de que as minorias não são extirpadas das decisões coletivas.
Não é a existência de uma oposição, ou de ideologias contraditórias, que impedem que decisões sejam tomadas ou que o Estado avance em temas importantes.
Voltando à discussão do nosso modelo remuneratório, vejo que os colegas se prendem em querer resolver, seja através de uma consulta, seja jogando a questão para debaixo do tapete, um ponto sem solução.
Não haverá este tipo de unidade, que muitos imaginam, quanto ao modelo remuneratório. Talvez isto seja possível, a longo prazo, após a implementação do subsídio, se este de fato se tornar um regime compensador, o que acredito que seja.
O subsídio é uma questão posta à categoria. Ponto. Não é possível eliminá-la em um passe de mágica, ao menos dentro de uma ótica plural.
Afinal qual é o problema disto? Qual é o problema de um querer subsídio, e do outro defender o modelo atual de remuneração?
Acho que problema mesmo é admitir que isto seja um problema.
O professor e sociólogo Demétrio Magnoli, no livro: “Uma gota de sangue – história do pensamento racial”, Ed. Contexto, defende que, após o projeto Genoma e o resultado do mapeamento genético humano, não existem raças no gênero humano. Embora o ser humano não possa ser dividido em raças, o professor reconhece a existência do racilisimo e do racismo que partem do falso reconhecimento de que os seres humanos estão divididos em raças. Problematiza-se um ponto que não deveria tornar-se questão, segundo o professor.
De forma grosseira isto pode ser aplicado a nós. Não existe problema no pensamento plural. O problema existe quando, por falsa percepção, admitimos que a pluralidade é um problema.
Se de fato a pluralidade se tornou um problema, devemos então trabalhar em uma única solução: a divisão da categoria até encontrarmos unidades (blocos de interesses) absolutamente iguais.
Isto já está sendo feito no Poder Judiciário Federal, temos associação e sindicato de analistas; associação de técnicos; associações e federação de oficiais de justiça; associação de agentes de seguranças; a ANATA; temos associações de cada justiça nos diversos Estados. Algo, a meu ver, absolutamente natural, temos interesses particulares dos diversos cargos que compõem a carreira do Judiciário Federal. Não vejo isto como repulsivo. É de direito criar associações ou movimentos para defesa de interesses específicos.
No entanto, aparentemente, também temos interesses comuns a toda a categoria, independente do cargo ocupado ou da preferência por este ou aquele modelo remuneratório. O papel dos sindicatos de ampla representação é defender estes interesses. Se assim o é, este sindicato deve ser, por natureza, plural.
Ou algum ente coletivo (sindicato e associação) acredita que só os defensores do modelo atual ou do subsídio conseguirão, sozinhos, a vitória no PCS? Acredito que, ao menos pelo aspecto gregário que envolve um ente coletivo, a resposta tenderia a ser negativa.
Desta forma, há um ponto comum a todos: a necessidade de mobilização.
Se quisermos uma unidade, temos que reconhecer, no mínimo, dentro de um regime democrático, que esta será plural, jamais poderemos admitir que a diversidade seja um problema.
Se nossos interesses e vontades conformassem um objeto, semelhante a uma bola de futebol, com seus gomos (ou faces) em sistema de icosaedro truncado (para alguém com formação em ciências sociais e jurídicas isto remete mais a trabalho escravo de crianças paquistanesas do que ao complexo sistema de geometria espacial), nada impediria que esta esfera tivesse gomos de diferentes cores. A bola utilizada na última Copa do Mundo (Jabulani), aliás, possuía ao todo 11 cores diferentes (não em icosaedro truncado, mas as cores estavam lá).
Teríamos então gomos azuis, verdes, amarelos, brancos, laranja, etc. Cada um representando um interesse diverso. Porque uma das cores seria mais legítima a estar na esfera do que outra?
É aí que volto à pergunta efetuada pelo colega no debate? Qual é a posição do sindicato? Qual a cor adotada? Qual o objetivo da consulta sobre o modelo remuneratório?
A meu ver, o objetivo da consulta é identificar, entre os filiados da entidade, a quantidade de faces laranja (em alusão à cor adotada pelo legítimo movimento pró-subsídio) e divulgar a todos que X por cento dos filiados prefere este ou aquele modelo remuneratório. Com isto, podemos adotar posturas convergentes em defesa deste ou daquele modelo, sem exclusão do debate daqueles que preferem o outro, sem esconder debaixo do tapete a proposta que conta com o apoio de eventual minoria da categoria.
Se quarenta por cento forem laranja, e os outros sessenta por cento não, não poderemos, a menos que adotássemos uma conduta totalitarista, pintar a esfera toda de branco e dizer que a categoria não é também laranja. O mesmo vale para a situação inversa.
Este é o erro que muitos (defensores do modelo atual de remuneração e pró-subsídio) estão cometendo. Querer pintar tudo de uma cor só a depender do resultado de uma consulta. Isto é absolutamente impossível, em um regime democrático. Se noventa por cento preferirem um determinado modelo, ainda restarão um ou dois gomos de outra cor.
Sou totalmente pró-subsídio, mas jamais admitirei que se erga uma bandeira “subsídio já”, no sindicato do qual sou filiado, assim como não posso admitir que se queira dizer que nosso sindicato não aceita o subsídio porque a plenária da federação, por maioria, assim decidiu.
Isto representa o cultivo de um conceito pobre, incompleto, do significado de Democracia. Um modelo que não admite a contradição, não admite o pluralismo, e com isto permite o totalitarismo.
Este o verdadeiro “racha” da categoria. A Federação, neste sentido, tem adotado posturas antidemocráticas: não cumpre o seu dever de informar a categoria; sua diretoria emite notas com verdadeiros “chiliques” contra as posições de uma parte legítima de colegas; pretende extirpar, ao invés de acomodar, a manifestação da vontade do que ela, sem qualquer consulta mais ampla, entende ser uma minoria.
Tratemos todos com igual respeito e consideração. A cor dos gomos da bola não impede o gol. A não ser que se queira compor times diferentes (o Jogo que a Federação tem jogado). Não vejo problemas em jogarmos juntos, cada um defendendo seu modelo remuneratório.
Daniel Kenji Sano é Diretor de Organização do Sinjufego