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Grella denuncia retaliação por causa de atuação de promotores contra políticos sob suspeita e vê tentativa de mordaça

Entrevista

Fernando Grella Vieira: procurador-geral de Justiça de São Paulo

Quem é:

Fernando Grella, 52 anos

Ingressou no Ministério Público paulista em 1984.

Atuou como promotor de Justiça nas áreas cível e criminal. Integrou o Conselho Superior da instituição

É procurador-geral desde 2008

"O Ministério Público está isolado", afirma o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Fernando Grella Vieira. Chefe do Ministério Público de São Paulo, o maior do País, Grella denuncia "uma reação" de setores do Congresso contra a Promotoria - à qual a Constituição assegurou poderes e competências para investigar improbidade administrativa, corrupção e peculato. O procurador considera que essa atuação contra gestores públicos suspeitos é o ponto central da retaliação.

"No passado, o Ministério Público tinha apoio de alguns partidos políticos", ele assinala. Hoje, diz, "querem pôr uma mordaça no Ministério Público, é uma realidade que está aí, querem criar mecanismos que impeçam o promotor de atuar, querem impor multas, punições e outras medidas que vão cercear o trabalho do promotor".

Próximo de concluir o mandato de dois anos como procurador-geral, Grella recebeu o Estado e fez um balanço de sua administração. Considera que deu transparência aos atos da cúpula, reconhece "falhas, não erros" na gestão, diz que ainda não decidiu se vai disputar a reeleição, em março, e classifica de "repugnante, vergonhoso" o episódio das meias e cuecas estufadas de dinheiro, em Brasília.

Se reconduzido ao cargo, adianta, pretende dedicar-se à aprovação do Plano de Cargos e Carreiras da instituição, projeto sob crivo da Assembleia Legislativa. "Os funcionários não têm como evoluir. São 2,9 mil servidores. A ausência de um plano de cargos é fator que desestimula e até de fuga dos quadros da instituição."

Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

Criou-se expectativa muito grande sobre a atuação do Ministério Público, mas não há registro de corruptos na prisão. Por que?

Na Constituição de 1988 surgiu a busca do aperfeiçoamento de um sistema que pudesse controlar a moralidade e a probidade no Brasil. Com isso, o Ministério Público ganhou legitimidade para tutela da probidade e passou a promover uma atuação intensa nessa área. Houve muitos inquéritos civis, muitas investigações, muitas ações civis públicas nessa área da improbidade administrativa.

E os resultados?

Se não conseguimos mais foi porque o instrumental jurídico, o arcabouço de meios para produção de provas não é suficiente. O Ministério Público está fazendo o seu papel. É o responsável, em boa parte, pela tentativa de se mudar esse quadro que está aí. Tanto isso é verdade que hoje no Congresso a instituição mais criticada, mais repudiada, contra a qual se quer suprimir poderes e prerrogativas é o Ministério Público.

É retaliação?

Uma reação enorme do mundo político. Estamos pagando um preço no Congresso. As reações dos políticos contra o Ministério Público. Há casos de abusos? Há, mas eles são isolados. Na grande maioria dos casos o promotor age corretamente. O inconformismo do político surge por outros motivos, outras razões. Você vai me dizer, bom e os resultados em termos práticos? Está certo, não conseguimos muitos resultados concretos. Mas não conseguimos por aquela razão, o nosso sistema processual em termos de prova ainda é extremamente falho.

O Ministério Público está isolado na batalha dentro do Congresso?

Muito isolado. Tínhamos, no passado, apoio de alguns partidos políticos, alguns anos atrás. Perdemos esse apoio.

Frequentemente políticos e administradores denunciam abusos e pedem freios para sua instituição. Por que?

Querem pôr uma mordaça no Ministério Público, é uma realidade que está aí. Tem a nova lei da ação civil pública.

Qual a sua preocupação?

Querem criar mecanismos que impeçam o promotor de atuar. Querem impor multas, punições e outras medidas que vão cercear o trabalho do bom promotor.

De que forma são essas ameaças?

A iniciativa é clara, principalmente por emendas na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. O projeto é do governo, busca disciplinar a Ação Civil Pública para acabar com leis esparsas. É um projeto que quer unificar a disciplina da Ação Civil Pública e na CCJ há parlamentares, de vários partidos, que querem apresentar emendas. Uma parte dessas emendas busca limitar, conter a ação do Ministério Público.

Pode citar nomes?

Paulo Maluf é um que fala textualmente que é contrário ao projeto. Segundo ele, quem administra no interior do Estado, nos municípios, é o promotor. Então, precisa impor limites à ação do promotor. Ele é favorável a uma revisão das prerrogativas dos promotores, dos poderes do Ministério Público, para depois disciplinar a Ação Civil Pública. Ele fala. E muitos outros parlamentares estão falando a mesma coisa.

O sr. quer dizer que parlamentares buscam intimidar o Ministério Público?

Não se pode dizer que não aconteceu nada nesses anos todos. Pode ser que o Ministério Público não tenha atingido o resultado ideal que todos desejávamos. Mas que houve uma interferência, uma mudança no cenário político houve. E foi em função da ação do Ministério Público. A prova disso é a reação do segmento político em relação à instituição. Posso dizer que essa reação praticamente vem de todos os partidos. Porque pelo nosso sistema político acho que todos têm problemas. E acabam sofrendo de algum modo com a atuação dos promotores.

Cuecas e meias recheadas de dinheiro em Brasília vão ficar impunes?

Episódio repugnante, triste, porque confirma mais uma vez aquilo que os políticos querem negar, confirma mais uma vez o que é uma realidade. A corrupção ainda está presente. Choca imagens como aquelas. Figuras do mundo político repartindo, enfiando dinheiro, é uma coisa que dá vergonha. E o pior: se não houver resposta rápida do Judiciário isso vai contaminar as outras instituições, não pelo envolvimento com dinheiro, mas pela omissão, pela descrença no Estado.

Como viu a reação popular, invasão da Câmara Distrital, cavalaria nas ruas?

Esse é o perigo. Se não houver uma reação do Judiciário e do Ministério Público em relação a esse fato e outros parecidos há um risco muito forte de crise. E com razão.

Aceitaria um panetone do Arruda?

De modo algum, nem de chocolate.

Acertos da sua administração?

Adoção de parâmetros objetivos para as principais decisões internas. Estabelecidos critérios objetivos em várias áreas para decidirmos a respeito de designações, destinação de bens e de pessoal. Garantimos transparência a esses critérios. A lotação de servidores é transparente assim como os critérios para as designações e a política de cargos também obedece a critérios rígidos. Isso dá a todos segurança, a certeza de saber a linha de atuação dos órgãos diretivos da instituição. É o fator responsável pelo ambiente de respeito e de tranquilidade que hoje reina na classe. Os promotores vivem um momento em que eles não se sentem discriminados ou perseguidos. Porque há parâmetros para decisões. Os promotores, agora, não veem situações de privilégios.

Erros?

Temos falhas. Temos que aprimorar o modelo que implantamos de centros de apoio às promotorias. Não conseguimos a aprovação de projeto de lei que permitia ao promotor concorrer a procurador-geral. O Órgão Especial do Ministério Público não aprovou. Mas abrimos a discussão pela primeira vez. Conseguimos apenas 7 votos favoráveis, contra 30. É tema que só com o tempo será incorporado positivamente na nossa realidade. É preciso vencer uma barreira cultural.

O que o sr. procura?

Fazer com que a instituição aprimore o serviço que presta ao contribuinte, cresça e possa servir melhor a sociedade. Minha meta é que os promotores trabalhem melhor e atendam melhor. Reformulamos núcleos vitais da promotoria, como o grupo de combate ao crime organizado, o grupo de combate à sonegação e implantamos o grupo de proteção ao meio ambiente. Todos estão trabalhando intensamente. Estamos intensificando a repressão à lavagem de dinheiro e aos cartéis. É uma área que exige especialização. São excelentes os resultados. Estou contente. Mas podemos melhorar.

 

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