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Sinjufego

 

Aa briga que evidenciou as divisões do Supremo

Andréia Henriques

Durou menos de cinco minutos o mais discutido acontecimento do STF (Supremo Tribunal Federal) em 2009. E não foi uma decisão impactante, uma liminar polêmica ou um debate fervoroso em torno de um caso jurídico. Um dia antes de completar um ano à frente da Corte, o ministro Gilmar Mendes estava mais uma vez nos holofotes por conta de uma acirrada discussão com o ministro Joaquim Barbosa, que o acusou de destruir a credibilidade do Judiciário brasileiro.

A série Retrospectiva Jurídica 2009 da revista Última Instância apresenta aos leitores os debates e fatos mais marcantes do ano no Judiciário brasileiro. O Supremo Tribunal Federal e suas polêmicas decisões, a crise no sistema carcerário do país, os diversos escândalos de corrupção no Legislativo e a virtualização de processos serão alguns dos temas em análise.

Ao invés de sua já comum posição de se manifestar sobre os mais diversos temas do país -inclusive falando de temas que poderão ser submetidos a seu juízo ou do Supremo-, Mendes estava na mídia por conta de uma discussão cujo tema era exatamente a exposição do presidente da Corte, sua atuação e as consequências para o Judiciário do país. Brigas e discussões sempre foram comuns no Supremo, mas nada semelhante ao ocorrido em abril desse ano.

Briga e "harmonia"

Para alguns, Joaquim Barbosa foi o porta-voz da insatisfação contra Mendes, iniciada especialmente após a concessão dos dois polêmicos habeas corpus favorecendo o banqueiro Daniel Dantas. Para outros, foi apenas destemperado.

A discussão da sessão plenária do dia 22 de abril começou na análise de um recurso do governo do Paraná sobre a constitucionalidade de uma lei que criou o Sistema de Seguridade Funcional do Estado do Paraná. O artigo questionado permitiu que os serventuários da Justiça não remunerados pelo Estado fossem inscritos no regime próprio de previdência dos servidores públicos estaduais de cargos efetivos. 

Gilmar Mendes afirmou que o colega Joaquim Barbosa tinha faltado nas primeiras análises do caso sobre o sistema de previdência no Paraná e que promoveria julgamentos diferentes de acordo com a classe dos envolvidos. O presidente do Supremo disse ainda que o ministro não podia dar "lição de moral".

Barbosa reagiu fortemente. "Vossa Excelência está destruindo a Justiça deste país e vem agora dar lição de moral a mim? Saia à rua ministro Gilmar, saia à rua, faz o que eu faço", disse. O presidente então disse que está na rua, no que foi rebatido duramente por Barbosa.

"Vossa Excelência não está na rua não. Vossa Excelência está na mídia, destruindo a credibilidade do Judiciário brasileiro". O ministro ainda pediu respeito a Mendes, dizendo que ele não estava falando com seus "capangas do Mato Grosso".

Os desgastes e lamentações foram vários, mas a briga foi logo minimizada. Os demais integrantes do Supremo divulgaram uma cautelosa nota afirmando "confiança e respeito" no presidente da Corte. No dia seguinte, Mendes disse que a briga estava superada e negou crises e abalos na imagem do Judiciário. Até o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ressaltou que a discussão é benéfica para a democracia. Mas não faltaram especulações sobre a possibilidade deimpeachment de Joaquim Barbosa.

Uma semana após a dura discussão, o plenário foi palco de uma atrasada homenagem ao presidente da Corte, encabeçados pelo decano Celso de Mello. "Importantíssimas decisões foram proferidas neste último ano, todas com imensa repercussão sobre a vida dos cidadãos e das próprias instituições do Estado", disse Mello, que reafirmou seus votos de "saudação, apreço, respeito e de plena confiança" depositados em Mendes.

Mello foi acompanhado por outros seis ministros -Menezes Direito, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Carlos Ayres Britto e Ellen Gracie- que subscreveram a entusiasmada homenagem, reafirmaram a admiração a Mendes e a expectativa de êxito e sucesso no restante do mandato do ministro. "Vossa Excelência honra essa Corte", disse o ministro Eros Grau.

Mal-estar

A crise, se existiu, pode ter durado alguns dias, mas não são raras as vezes em que se assiste a uma sessão do Supremo e nota-se o desconforto e fraturas na Suprema Corte. Ou um "mal-estar", como definiu o ex-conselheiro do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) Joaquim Falcão, em artigo escrito para a Folha de S.Paulo no dia 6 de dezembro de 2009.

"Há visível mal-estar no ar, público desconforto entre ministros. (...) O Supremo adotou decisões nos últimos anos que estimularam ambiente não cooperativo e intraconcorrencial", escreveu Falcão.

A origem para tal percepção pode ser variada. Recentemente, o modo de agir do STF deu motivos para descrevê-lo de inúmeras formas: comete excessos, é ativista, abusa de sua competência, interfere em assuntos do legislativo, atua de forma política, preocupa-se demais com a opinião pública e perde sua legitimidade.

Os ministros da Corte, e especialmente seu presidente, têm hoje cada vez mais o papel de estabelecer a agenda jurídica do país. As já habituais manifestações fora dos autos, que expõem pré-opiniões, são, no entanto, instrumentos que transformaram ministros em celebridades individuais.

As transmissões ao vivo das sessões do plenário, se para uns são sinônimo de transparência, para outros colaboram exatamente para criar um clima de espetáculo, no qual decisões que devem ser imparciais e racionais estão sob o olhar das câmeras de televisão.

O jurista Dalmo Dallari, em entrevista a Última Instância, afirmou que a briga entre Mendes e Barbosa, no nível em que se deu, é desmoralizante para a própria Justiça. Mas ressaltou que o bate-boca foi produto das características pessoais dos ministros, "que não se comportam como juízes e sim como políticos ou pessoas em busca de notoriedade".

 

Ringue?

São vários os exemplos do "mal-estar" que frequentemente aflige a Corte. Na última semana, após uma reviravolta de votos, a decisão sobre o recebimento da denúncia contra o senado Valdir Raupp (PMDB-RO) terminou em discussão.

O presidente da Corte, Gilmar Mendes, chegou a começar o pronunciamento do resultado, mas o ministro Ricardo Lewandowski surpreendeu os colegas ao pedir vista do processo mesmo já tendo votado duas vezes. No começo, ele acompanhou o relator do caso, Joaquim Barbosa, defendendo a abertura do processo. Depois mudou de idéia, entendendo que não havia indícios suficientes para processar o senador.

A iniciativa provocou a ira de alguns membros da Corte. Joaquim Barbosa reclamou da demora na decisão de um caso que para ele parecia "simples" e questionou se Lewandowski pretendia mudar de voto novamente, uma vez que já existia uma maioria formada.

Marco Aurélio Mello ironizou o colega e perguntou se ele pretendia esperar que o ministro Eros Grau estivesse presente para que ele também mudasse de voto. Lewandowski se ofendeu e recuou do pedido de vista. Diante do impasse, Joaquim Barbosa, irritado, pediu o adiamento do julgamento.

Outro caso que colocou ministros em campos opostos foi quando o STF recebeu a denúncia contra o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) pelo mensalão mineiro. Barbosa, relator do caso, criticou várias vezes o voto vista de José Antonio Dias Toffoli, novato na Corte. Em seu raciocínio, o ex-advogado-geral da União listou o montante de arrecadação e gastos de várias campanhas. "Essas comparações são absolutamente impertinentes", disse Barbosa, que, em novembro, recebeu a denúncia contra o senador.

Em outro momento, Barbosa ainda criticou a análise de Toffoli sobre um recibo no valor de R$ 4,5 milhões, classificado pela defesa de Azeredo como falso, que comprovaria que o então candidato ao governo teria recebido dinheiro de Valério.

"Nesse momento que Vossa Excelência vai analisar isso?", disse Barbosa, lembrando o colega que na fase de recebimento de denúncia não se valora provas, mas sim observa-se indícios de participação. "Ouvi o voto de Vossa Excelência por dois dias, deixe-me continuar meu voto", disse o novato ministro. "Pelo que vi até agora, Vossa Excelência não ouviu nada do meu voto", devolveu Barbosa.

Mas as discussões acaloradas não envolvem apenas julgamentos de parlamentares. Quando o Supremo autorizou a extradição do ex-militante comunista Cesare Battisti à Itália e entendeu que a decisão final sobre a entrega do italiano deve ser tomada pelo presidente Lula não faltou novo bate-boca.

Depois de longa e tensa discussão para decidir a quem caberia a palavra final no caso, um novo debate foi iniciado em torno do voto do ministro Eros Grau, porque Gilmar Mendes entendeu que ele havia votado no sentido contrário.

Após um bate-boca em que outros ministros tentavam convencê-lo de que ele não havia conferido plenos poderes de decisão ao presidente da República, Eros perdeu a paciência: "A pessoa mais indicada para dizer aquilo que eu disse sou eu mesmo". Questionado novamente sobre suas razões, Grau criticou a "paixão" com que o caso Battisti teria sido conduzido pelo STF". Não há dúvida de que muitas outras "paixões" ainda vão tomar conta dos ministros do Supremo Tribunal Federal.Fonte: ultimainstancia.com.br

 

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